terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Não foi virada de mesa

Futebol é um campo fértil para discussões exaltadas, debates acirrados e provocações engraçadas. Dizem até que o melhor do futebol é justamente a discussão no dia seguinte: "foi gol ou não foi?", "era para ter sido expulso?", "foi justo o placar?", "meu time é melhor que é seu", etc. Se por um lado, é ótimo para discutir, por outro é assunto mais ingrato de todos para quem deseja discutir com imparcialidade. Todos que torcem para um time sempre estão (ou são os) "certos" e o rivais sempre estão (ou são os) "errados". Isso fica muito evidente quando observo as reações dos torcedores no caso do "Tapetão Lusa-Flu".

Quem me conhece sabe muito bem o quanto sou averso aos times que detêm o poder financeiro e de mídia. Torço contra mesmo (leia-se: em competições nacionais) e fico muito satisfeito quando vejo os times menos favorecidos vencerem os ditos "grandes do futebol brasileiro" ou mesmo quando vejo estes caindo para a segunda divisão. Não é surpresa para ninguém que torci contra a dupla Vasco e Fluminense na rodada final do Campeonato Brasileiro e fiquei muito satisfeito com o rebaixamento dos dois. No entanto, tenho o "defeito" de ser muito mais razão que emoção e essa racionalidade me impede de achar que meu interesse esteja acima do que é certo. E o que é certo? O certo é relativo, mas, até que provem o contrário, o certo é o que está escrito na Lei.

Você que está revoltado, indignado e chateado pelo Fluminense ter escapado do rebaixamento, você que diz que foi injusto ou diz que é um absurdo, por favor, responda as seguintes perguntas:

1) O jogador Heverton estava suspenso?
2) Um jogador suspenso tem que cumprir suspensão?
3) A Portuguesa utilizou um jogador suspenso na última rodada?

Se você respondeu SIM para todas as perguntas, então o que diz o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD)? Diz que o clube deve perder QUATRO pontos. Então, você vão discutir mais o que? A lei tem que ser cumprida, não importa quem será o beneficiado.

A Portuguesa foi vítima de sua própria desorganização. Acreditou nas palavras de seu advogado, mas não leu a ata do julgamento. Eu acredito que o clube até agiu de boa fé e não sabia que o jogador tinha mais uma partida de suspensão a cumprir. Acredito mesmo, mas... lei é lei. Nas suas letras "frias" não há espaço para subjetivismo, principalmente quando a não aplicação da lei (punição) implicaria em prejuízo para um terceiro. Já pensou que se o STJD decidisse "passar a mão na cabeça" da Portuguesa e não puni-la, causaria prejuízo para o Fluminense? Então, não havia outra alternativa que não a aplicação da lei. Desculpa aí!

Como foi dito no começo do texto, a parcialidade dos torcedores os impedem de pensar racionalmente. A grande maioria dos torcedores diz que o Flu é o vilão. Sim, o passado do Fluminense o condena, mas o passado não está em jogo neste julgamento. Há quem argumente dizendo que a Lei só é cumprida para os times pequenos. Não discordo, mas minha convicção é que um erro não justifica outro. Há também quem questione: será que se o Fluminense tivesse escalado jogador irregular e fosse a Portuguesa que dependesse da punição ao Flu para escapar do rebaixamento, o STJD iria fazer o mesmo? Ora, não vou ficar aqui supondo o que ele IRIA FAZER, mas vou dizer o que ele TEM QUE FAZER agora, neste caso. Se a Lei historicamente beneficiou os poderosos, a única forma de consertar o erro é aplicá-la igualmente, daqui para frente, tanto para os fortes quanto para os fracos.

Surpreende-me ver tanta gente defendendo que um tribunal não aplique a Lei, simplesmente porque o que é correto vai de encontro ao seu interesse (rebaixar um time rival). É estranho ver tanta gente pensando assim, justamente num momento em que o país debate tanto o combate à impunidade. Fala-se tanto em punir quem descumpre a Lei, mas defende-se que ela seja rasgada só para não beneficiar alguém com quem você não simpatiza. É verdade amigos: nem sempre o que é certo vai nos dar prazer. As vezes, o que é certo vai nos contrariar. Mas, o que é certo é o certo.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Desocupe-se! Despreocupe-se! Aprendendo a viver melhor.

Um grupo de amigos homens faz uma confraternização e reúne suas famílias (esposas e filhos). Algumas esposas, com pouca intimidade, começam a conversar:

- O seu marido participa do futebol nas terças-feiras?
- Sim. Menina, nem te conto! Isso me preocupa tanto. Ele sai de casa às 8 da noite e volta somente a meia-noite, suado e cheirando a cerveja.
- O meu também. 
- O que mais me preocupa é que isso acontece em um dia de semana. Ele vai dormir tarde, mesmo tendo que acordar as 6 da manhã, no dia seguinte, para trabalhar. 
- Meu marido também. Não sei como ele aguenta sair de casa no dia seguinte. O pior é que ele acorda cansado, mas, quando falta a este futebol, passa o dia todo irritado. 

Esse papo de esposas foi verídico. Ele conta um pouco da história de um grupo de amigos, amantes do futebol e apreciadores de uma "geladinha". Os encontros ocorrem semanalmente, em média com uma hora de futebol e duas horas de cerveja. Mas o que motiva pais de família, cada um com suas responsabilidades, a abdicarem de boas horas de sono, no começo de cada semana, em troca de alguns horas de futebol, cerveja e cansaço no dia seguinte? É simples: o bem-estar proporcionado pelo encontro com os amigos.

Apesar do cansaço físico, esses nobres peladeiros, na verdade, estão descansando. Isso mesmo! Descansando a mente. O segredo está aí. Todos nós temos nossas preocupações, nossos dilemas, nossos problemas. Tudo isso consome parte de nossas horas diárias, nos cansa e nos sufoca. Uma das receitas para viver bem é justamente "desocupar" nosso cérebro de tudo isso por alguns momentos. Momentos, esses, que devem ser preenchidos com atividades prazerosas e sem qualquer ligação com aquilo que nos preocupa. É como se estes momentos "massageassem" nossa mente e desintoxicassem nosso corpo das angústias diárias. Sem momentos assim, as pessoas tendem a ficar pensando o tempo todo em seus problemas, em constante estado de alerta e estresse. Isso é extremamente ruim.

Essa turma de amigos se desliga dos problemas com futebol e cerveja. As esposas talvez nunca entendam completamente (apesar de aceitarem), mas alguns estudos, inclusive, afirmam que essa prática de juntar amigos para jogar conversa fora numa mesa de bar é bastante saudável, pois proporciona bem-estar e fortalece as amizades, como pode ser lido neste artigo (Beber com os amigos duas vezes por semana pode ser benéfico)

Apesar do exemplo mencionado, o ensinamento que fica, não necessariamente passa por futebol ou cerveja, mas sim por ocupar-nos, com certa frequência, com alguma atividade diversa daquelas que nos ocupam e trazem preocupações constantes. É isso que esta turma faz, de verdade. Se o cansaço desses amigos no dia seguinte é físico, pode ter certeza que suas mentes estão descansadas, tranquilas, mais calmas e felizes. Pode se dizer até que mais bem preparadas para vencer os desafios do que se passassem todo o tempo preocupadas com eles.

Então, nada de ficar o tempo todo pensando nos problemas do trabalho, pensando nos problemas de famílias ou do condomínio, nas finanças ou mesmo se preocupando com algo ruim que possa estar para acontecer. Afinal, a própria palavra preocupação já denota que você está apenas se pré-ocupando, ou seja, ficando ocupado antes da hora. Reserve momentos para fazer algo que lhe dê prazer, algo que exercite sua imaginação e seu corpo. Principalmente, atividades que envolvam interação com outras pessoas. Socializar-se faz bem. Pense, sim, nos seus problemas, planeje como resolvê-los e enfrente-os com determinação, mas se lembre que se desocupar por certos momentos é fundamental. Lembre-se que esquecê-los por alguns instantes vai ajudar a enfrentá-los com menos sofrimento e, quem sabe, até com mais prazer. Essa turma do futebol sabe disso. Ótimo para eles! Pode ser para você também.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Biografias: entre a livre expressão e o direito à privacidade

"Posso não concordar com uma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-las". Foi François Marie Arouet, mais conhecido como Voltaire, quem pronunciou esta frase no século XVIII. Onde quer que hoje esteja, Voltaire deve se remoer todo ao assistir de camarote à polêmica atual em torno das biografias não autorizadas.

Voltaire defendia a liberdade de expressão, algo que em nossa sociedade atual, felizmente, é considerado senso comum. A Constituição Federal atual garante a liberdade de expressão, mas o Código Civil, em nome da defesa à vida privada, prevê que a publicação de biografias dependa de prévia autorização do biografado ou de sua família (quando não vivo). A polêmica surgiu quando esta previsão começou a ser questionada. Hoje, a questão é discutida no Congresso Nacional, através de um projeto para mudar o Código Civil, e também no STF, onde a constitucionalidade dos artigos do Código Civil, referentes ao assunto, é questionada. Contrário às mudanças está o movimento Procure Saber, encampado por alguns artistas de renome, que defendem o direito à privacidade.


É perfeitamente compreensível o posicionamento dos artistas. Afinal, quem gostaria de ver publicados fatos verídicos do seu passado dos quais se envergonha? Quase todo mundo tem algo no seu passado que não gosta de ser discutido ou mesmo revelado. Ocorre com pessoas anônimas, quanto mais com pessoas conhecidas. E quando os fatos narrados não são verídicos ou mesmo não comprovados (boatos, fofocas,...)? Neste caso, as consequências para as pessoas publicamente expostas são duradoras, mesmo que a verdade venha a ser somente mais tarde conhecida. Enfim, eu vos entendo, caros artistas, mas não concordo com vocês!


Comparemos uma biografia, a matérias de jornais, revistas ou blogs. Quando matérias como estas são escritas, elas dizem, basicamente, que ALGUÉM acabou de FAZER ISSO ou que acabou de DIZER AQUILO. Em suma, uma matéria de jornal, revista ou blog conta fatos sobre alguém que estão acontecendo (presente). Uma biografia, pobremente falando, nada mais é do que a narração de fatos que ocorreram (passado). Em outras palavras, é como se os jornais, revistas e blogs escrevessem partes de uma biografia diariamente, em tempo quase real. A diferença básica entre elas é apenas temporal. Se é permitido reportar a vida de alguém em tempo real, por que seria proibido reportar um resgate do passado deste mesmo alguém? 


A liberdade de expressão é importante, mas, certamente, deve ter limites. O direito de expôr pensamentos, ideias e opiniões ou, simplesmente, de relatar informações deve ser garantido, porém a responsabilidade pelo que é exposto deve ser um dever que acompanhe sempre esse direito. A verdade deve ser o primeiro compromisso de quem quer ser "livre para expôr" o que pensa, da mesma forma que as consequências por calúnias, difamações e injúrias proferidas. Assim, os biografados devem ter o direito de não reconhecer as biografias, mas não de proibi-las simplesmente por não concordar com elas. É admissível que os fatos nelas relatados sejam questionados judicialmente e, até mesmo, que a obra seja, posteriormente, devido a isso, proibida. É admissível que o autor seja processado quando falte com a verdade ou insinue situações que firam a honra do biografado. Mas é inadmissível a publicação seja previamente censurada.


Os debates sobre as biografias têm se concentrado, sobremaneira, na questão da privacidade, pois tem se pensado muito em biografias apenas de artistas (cantores, atores, atletas, ..), mas não devemos nos esquecer das biografias de outras personalidades de relevância histórica. Lembremos que a vida de políticos, pensadores, revolucionários e outros ícones históricos também são alvos de biografias. Não é razoável pensar que biografias do ex-presidente Lula, ou do ex-presidente Collor, ou do poeta Ariano Suassuna ou de Chico Mendes só possam ser feitas com o consentimento dos mesmos ou de suas famílias. Uma biografia que só traga fatos autorizados pelo personagem não é uma biografia, é apenas um relato positivo para exaltá-lo. O interesse histórico é suficientemente relevante para justificar a obra, mesmo a contragosto do personagem em questão. Claro, sempre pautada na verdade.


A grande questão em jogo é saber qual o limite da liberdade. Até que ponto a verdade pode ferir a honra ou ser considerada difamação? Como provar que os fatos narrados podem ser inverdades? Como comprovar a boa-fé do autor? Como separar a liberdade de expressão da invasão de privacidade. Esses são os pontos mais complexos que necessitam de maior discussão e aprimoramentos, não a proibição de biografias não autorizadas. Estas, pelo menos para mim, não deveriam ser pura e simplesmente pré-censuradas.

sábado, 19 de outubro de 2013

Toda atitude muda o mundo

João da Silva está no enterro de seu filho Joãozinho, que morreu aos quinze anos de idade. João da Silva hoje chora, olha para o céu e se pergunta: "Por que?" Essa história começou há pouco mais de cinco anos. Foi assim.

João da Silva era uma grande fazendeiro, que precisava de muita água para saciar a sede do seu gado e irrigar suas plantações. João da Silva, corrompeu Sebastião, Juarez e Jacó. Os três participaram de uma esquema que desviou água da rede de abastecimento diretamente para a fazenda de João da Silva. O roubo de água, nunca descoberto, comprometeu o abastecimento da cidade de Caipiri. Seu Antônio, morador de Caipiri, sofria com a falta de água. Por muitas vezes deixava de trabalhar porque precisava andar cinco quilômetros para buscar alguns baldes de água na cacimba do Dr. Malaquias. Acabou perdendo o emprego. Como não tinha como ir buscar água sozinho, Seu Antônio fazia as viagens para buscar água com seu filho Pedro, que, por isso, deixava de ir à escola.

De tanto levar falta, Pedro foi reprovado diversas vezes até abandonar de vez a escola. Além de sede, Pedro tinha fome, e acabou se juntando à turma de Inácio para praticar assaltos na cidade. A turma de Inácio era formada por vários bandidos, todos jovens que buscavam na criminalidade uma fonte de recursos para minimizar sua miséria. A turma de Inácio só crescia. Até que, um dia, a turma de Inácio tentou assaltar a Padaria do Portuga. Mas Portuga estava preparado e trocou tiros com os bandidos que fugiram em debandada. Na troca de tiros, uma bala perdida acertou um jovem do outro lado da rua: era Joãozinho, filho de João da Silva.

No começo do texto, no enterro do seu filho, João da Silva se perguntava porque aquilo tinha acontecido logo com seu filho. Ele não percebeu, mas talvez Joãozinho não tivesse sido baleado se o assalto à Padaria do Portuga não tivesse acontecido. O assalto talvez não tivesse acontecido se a turma de Inácio não tivesse sido formada. A turma de Inácio não teria sido formada se Pedro e outros jovens que a formaram estivessem na escola. Pedro e outros jovens estariam na escola se não estivessem passando fome e sede. Pedro poderia não estar passando fome se seu pai, Antônio, pudesse estar trabalhando, ao invés de levar seu filho para buscar água. Antônio poderia estar trabalhando se Caipiri tivesse água. Água, esta, que estava sendo desviada para a fazenda de João da Silva, que, agora, perguntava porque seu filho não estava mais vivo.

Esta história mostra que tudo aquilo que fazemos tem reflexo em tudo que está a nossa volta. Ações, comportamentos e atitudes, por menores que sejam, boas ou más, mudam o mundo. Você está no mundo, então você é capaz de influenciá-lo, positiva ou negativamente. Além do mais, tudo que se planta, colhe-se. Tudo que damos ao mundo, recebemos de volta, como aconteceu com João da Silva. Pense nisso antes de buscar satisfazer suas necessidades a custo do sofrimento dos outros. Pense nisto, antes de tratar mal alguém necessitado. Pense nisto, antes de furar uma fila de espera. Pense nisto no seu trabalho, no trânsito, no ônibus, na sua vizinhança.

Não julgue as pessoas. Antes disso, saiba que só as próprias pessoas sabem os dramas pessoais por quais elas passam e que justificam sua forma de ser e agir. Seu julgamento pode gerar consequências desastrosas, mas seu auxílio e seu apoio podem salvar almas. Rodei-se de pessoas queridas e afaste-se de pessoas ruins. Não cultive a vingança, não crie inimigos, perdoe sempre que possível e tenha pensamentos positivos. Seja generoso, seja justo, seja honesto e seja correto. Procure fazer o bem, não ser egoísta e respeitar a todos, que, assim, serás recompensado. Tire da cabeça a falsa ideia de que, neste mundo cão, não adianta ser "apenas um" correto ou bonzinho no meio de tanta gente desonesta ou ruim. Esse um faz diferença sim. Talvez uma diferença invisível, mas, certamente, maior do que possamos imaginar. Esse um pode virar dois, três, depois quatro... Então, façamos com que esta diferença possa ser mais positiva. Que os bons sejam maioria.

sábado, 28 de setembro de 2013

As armas de lá; as armas de cá

Do lado de lá, bem longe, na Síria, uma guerra civil estourou. E entre aliados do governo e rebeldes, armas químicas foram usadas. Quem usou as armas? Não se sabe. Os EUA acusam o regime de Bashar al-Assad. A Rússia diz que foi a oposição. No meio das acusações, o governo da Síria nega ter usado tais armas, mas não nega possuí-las.

Para a guerra civil síria, poucos se importaram. Ninguém se preocupou com os mortos pela guerra. Ninguém se preocupou se a guerra é justa, se o governo é tirano ou se os rebeldes têm razão. Problema dos sírios. A preocupação são suas armas. As armas de lá matam muitos sírios, mas estadunidenses, franceses, alemães, russos e outros poderosos não estão preocupados com os sírios. A preocupação deles é não ser a próxima vítima. Fala-se em intervenção militar. Fala-se em acordo para destruição das armas. Enfim, fala-se de e preocupa-se com Síria. A comunidade internacional quer agir, de alguma forma, para evitar o uso das armas podem causar destruição em massa. Destruição, claro, de suas massas.

Enquanto isso, do lado de cá, no nosso Brasil, também temos as nossas "armas de destruição em massa". Não são químicas, mas matam multidões a cada ano. Bandidos armados "até os dentes" com armas de uso exclusivo das Forças Armadas, ou seja, armas de guerra, dominam comunidades inteiras nas periferias de algumas de nossas maiores cidades. Com o poder das armas, destroem a paz e a tranquilidade das comunidades. Com o poder das armas, sustentam o tráfico de drogas e ganham muito dinheiro. Com o poder das armas, destroem o futuro dos jovens. Com o poder das armas matam, matam e matam nossas massas.

Nossas "armas de destruição em massa" não são químicas, mas matam e destroem. As armas de lá chamam a atenção internacional. As armas de cá, não. Enquanto os brasileiros vão morrendo, não tem Barack Obama, Angela Merkel ou Vladimir Putin que se preocupe com nossas armas, mesmo que, por vezes, turistas norte-americanos, alemães ou russos sejam atingidos. Pior que isso. Se não chamam a atenção deles, as armas de cá, ao que parece, não chamam a atenção nem das autoridades locais. Todos sabem o nome dos principais traficantes, sabem as comunidades que dominam, mas nossas autoridades não falam (ou pouco falam) em intervenção.

As armas daqui não chegam à toa na mão dos bandidos. Nossas fronteiras estão abertas para suas entradas e até mesmo a autoridade policial, que deveria estar ao lado dos que são do bem, se associa aos bandidos e contribui para manter seu poder. Enquanto isso, quando se quis, os governantes "pacificaram" as comunidades que interessavam, aquelas que "precisavam". Que coisa bonita, os bandidos em fuga aparecendo na TV! Ficou por isso mesmo. Outras comunidades não tiveram a mesma sorte.

A preocupação internacional, com as armas de lá, é bem diferente da preocupação nacional, com as armas de cá. As armas daqui viraram coisa comum. Não parecem surpreender mais, não parecem preocupar quem tem o poder-dever de manter a ordem. Com elas, só se preocupam suas vítimas indefesas. Que a preocupação internacional com as armas sírias sirvam de exemplo para acordar a preocupação nacional com armas daqui. Um sonho distante. Bem distante. Apenas um sonho.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O voto de Celso de Mello: uma aula de Direito e uma triste realidade

Quando soube que o Supremo Tribunal Federal iria julgar a admissibilidade ou não de um recurso dos mensaleiros, chamado Embargo Infringente, procurei saber do que se tratava. Logo de cara, entendi, apesar das controvérsias em torno do assunto, que era um recurso previsto em Lei e que, por isso, seria facilmente aceito. Muito ruim, pois adiaria ainda mais o resultado final dos processos e por mais tempo continuariam soltos os mensaleiros, antes de iniciarem os cumprimentos de suas penas.

Para minha surpresa, no primeiro dia de julgamento, apenas 4x2 pró-embragos. Mais surpreendente ainda foi o segundo dia, que terminou empatado em 5x5, faltando apenas o voto de minerva. Durante uma semana, passei a ter esperanças de que o improvável pudesse acontecer e que os embargos infringentes poderiam ser negados. Apesar de entender que os embargos infringentes fossem legais e de alguns amigos terem me alertado que o Ministro Celso de Mello, há alguns meses, já havia se manifestado a favor do tema, eu quis acreditar que eles poderiam ser negados. Torci muito para isso, mas, ... mas,... não deu!

Agora a opinião pública "caiu de pau". Acusa os juízes de contribuir para a impunidade, de beneficiar os corruptos e até de trabalhar para os interesses dos poderosos. Para muitos, o STF "caiu nos seus conceitos" como instituição e deu um atestado de aprovação à roubalheira. A verdade é que, antes das críticas ferozes direcionadas a quem votou a favor, se a grande maioria das pessoas comuns entendessem um pouquinho mais tecnicamente o que de fato estava sendo julgado, saberia que não foi bem assim. Todos nós torcemos para que os mensaleiros sejam punidos o mais dura e rapidamente possível, mas nossa emoção não pode se sobrepor à razão.

Em primeiro lugar, o julgamento da admissibilidade dos embargos não estava avaliando o mérito dos processos. Em outras palavras, não julgava se Dirceu e seus "companheiros" eram ou não inocentes ou se deviam ou não ir para a cadeia. Julgava, sim, se o recurso por eles requerido era ou não válido, pois havia divergência na Corte. E essa dúvida que surgiu, por acaso, justamente no processo do Mensalão, precisaria ser tirada, pois, a partir de agora, valerá para todo e qualquer julgamento do STF. Em segundo lugar, a questão não era se os "embargos infringentes dos mensaleiros" eram ou não legais, mas sim se "embargo infringente" como recurso, independentemente do processo, deve ou não ser acolhido na última instância do judiciário. Não sou magistrado, nem estudante de Direito, mas, pelo pouco que procurei me informar sobre o tema, acredito ser legal, pois está previsto no Regimento Interno do STF e não há Lei que o tenha revogado. Então, só nos resta lamentar. Além do mais, não é correto afirmar que o resultado da análise dos embargos infringentes transformou o julgamento do Mensalão em uma "grande pizza". Não é verdade, pois ninguém foi absolvido, apenar confirmou o direito de alguns dos mensaleiros terem seus julgamentos revistos, dentro da Lei. É claro que qualquer revisão abre a possibilidade de mudar o resultado, mas os julgadores serão os mesmos que, no primeiro julgamento, condenaram. Então, esperemos que as penas sejam mantidas (Oremos!).

Não surpreende que o STF tenha dirimido a dúvida, decidindo pela validade do recurso. O mais surpreendente nesta decisão foi o placar apertado: 6 a 5. Não entendo como os ministros do Supremo, pessoas estudadas e teoricamente preparadas para julgar com independência, imparcialidade e serenidade, de forma "fria" e "cega" (como a Justiça deve ser), sem levar em consideração desejos pessoais e emoção e com base apenas no que diz a Lei, possam divergir tanto. Aliás, o voto do Ministro Celso, até por ter sido o último, rebateu muitos argumentos dos que votaram antes dele. Seu voto foi uma verdadeira aula de Direito. Doa em quem doer. Muitos dos seus argumentos (para nossa infelicidade) considero tecnicamente perfeitos, entre eles, os seguintes:
  • [Juízes] não podem deixar contaminar-se por juízos paralelos resultantes de manifestações da opinião pública que objetivem condicionar a manifestação de juízes e tribunais. 
  • O direito ao duplo grau de jurisdição é indispensável. Não existem ressalvas [quanto a isso] pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
  • Embora todo o poder emane do povo, a representação popular junto ao Poder Judiciário não é exercida diretamente e, portanto, não se dá no campo das escolhas políticas, mas da aplicação do Direito.
  • Ninguém, independente da gravidade do crime cometido, pode ser privado das garantias fundamentais do direito de defesa, independente da vontade antagônica da coletividade.
  • Por fim, sobre a dúvida se a Lei 8038/90 teria revogado a existência de embargos infringentes no Regimento do STF, argumentou que a Lei não tratou da extinção deles no STF e que cabe ao Poder Legislativo decidir, com exclusividade, sobre a extinção ou não da norma. Além disso, que, inclusive, projeto de lei já havia sido enviado ao Congresso, anteriormente, pedindo a extinção dos embargos infringentes e foi por este rejeitada.
Se você não leu, clique aqui para ler o voto do Ministro Celso de Mello, na íntegra (são "só" 30 e poucas páginas).

Não adianta reclamar do STF, nem do ministro A ou ministro B. O recurso existe, é legal e foi (tecnicamente falando) corretamente aceito. Temos que reclamar e lamentar muito, sim, é do fato de isso estar previsto na legislação judiciária. O direito à ampla defesa e do contraditório é justo. O que está errado é essa quase eterna possibilidade de recursos existir, pois só adia as decisões finais e termina por beneficiar os réus de tal forma que os torna praticamente impunes. Essa Legislação precisa mudar. Ela deve garantir sim o direito de defesa, mas também precisa garantir a razoável duração dos processos para permitir que os mesmos possam chegar ao final e que os criminosos possam começar a ser punidos. No caso específico do Mensalão, chega a ser revoltante ver que o maior escândalo de corrupção da história do país, que se tornou público desde o ano de 2005, ainda não tem seu julgamento concluído e que ninguém ainda foi preso. Mais revoltante ainda é saber que, devido ao acolhimento dos embargos infringentes, o "rejulgamento" poderá adiar tanto a decisão final que muitos dos crimes poderão prescrever e muitos dos "pré-condenados" ficarão impunes. Queremos acreditar que "a Justiça tarda, mas não falha", mas dói saber que, na prática, "ela não é feita porque tanto se retarda".

terça-feira, 23 de julho de 2013

A influência tem poder

Qual o papel do meio a sua volta na determinação de suas opiniões? Até que ponto as pessoas a seu redor podem influenciar suas preferências? E você, que influência tem em determinar ou modificar as opiniões das pessoas com as quais convive?

Todas as questões acima chamam a atenção devido a inúmeros exemplos que se repetem constantemente. O mais recente foi a última pesquisa de popularidade do Governo Federal, feita pelo Datafolha. Em um intervalo de três semanas, a popularidade da presidenta caiu de 57% para 30% de aprovação, sem que nada de diferente tivesse ocorrido nas ações do seu governo. O evento que influenciou a mudança de opinião da população foram os protestos populares que ocorreram nas ruas de todo o país. Ora, só o fato de ver gente nas ruas "reclamando" fez com que muitos passassem a não mais aprovar o governo, sem que este nada de diferente tivesse feito (nem de bom nem de ruim). Em três semanas nem daria tempo. É o poder da influência.

Ainda falando desses protestos, não chama a atenção o fato deles simplesmente acontecerem em todas as principais cidades praticamente de repente e ao mesmo tempo? Não é interessante pensar que, um mês antes, praticamente nenhuma manifestação ocorria em lugar nenhum e, depois de começar em São Paulo, influenciou todas essas cidades? Num passe de mágica, ninguém se manifestava. Depois que os primeiros exemplos começaram, todos foram tomados pela vontade de protestar.

Deixando os protestos de lado e olhando um pouquinho mais a nossa volta, podemos ver muitos outros exemplos. Quantas pessoas desistem de seus sonhos porque foram desacreditados pelos amigos e parentes? E quantas pessoas, que sempre se acharam incapazes de realizar algo, conseguiram proezas inimagináveis após um empurrãozinho, ou seja, após serem incentivadas por um "não desista, você é capaz, vá por mim"? Quantas crianças se tornam pessoas de bem e honradas pela influência dos bons exemplos de seus pais? E quantos jovens se perdem pelas más influências de amizades nem um pouco saudáveis? Quantas vezes você se calou e deixou de dar uma opinião por saber que estava cercado por pessoas que reprovariam o seu entendimento? Quantas vezes você esteve em um lugar em que não gostaria de estar só porque todos os seus amigos foram para lá? E quantas vezes você se arrependeu depois de comprar uma roupa porque o vendedor disse que estava "ótima em você"? Quantas pessoas se tornaram novas pessoas (mudaram completamente) após serem influenciadas pelo(a) novo(a) namorado(a)? Quantas vezes você fez algo porque insistiram muito e você não soube dizer "não"?

A capacidade de influenciar muda as pessoas. Por serem formadas por pessoas, esta capacidade também consegue mudar comunidades, empresas e até países. Pessoas influentes se tornam espelhos para quem com elas se identifica. Os grandes líderes, do passado e do presente, foram e são quase sempre pessoas que conseguiram ou conseguem "plantar" suas ideias e motivar pessoas a segui-las. Ser influente é uma qualidade, na maioria da vezes, nata, mas que pode ser aprendida. Muitas ideias fracassam devido a seus idealizadores não conseguirem influenciar em um primeiro momento, mas conseguem êxito após alguns aperfeiçoamentos. Sim, influenciar é algo que pode se aprender, até porque o êxito pode não depender apenas de quem vai influenciar, mas também de quem será o influenciado. Quantas vezes ouvimos dizer que alguém é "cabeça-dura" ou uma "pessoa difícil? São termos que usamos quando nos referimos a alguém que dificilmente é influenciado. Tratar com essas pessoas requer técnicas extremamente sofisticadas. É preciso entender o comportamento destas e saber quando e como "plantar a ideia". Se existem as "cabeças-duras", também existem aquelas que são facilmente influenciadas. São aquelas cujas opiniões são formadas e atitudes são tomadas praticamente todas pela influência dos outros. Não fazem nada por convicção e sempre seguem outras opiniões. Uma atitude extremamente perigosa.

O mundo das influências é assim. Existem os influentes e os influenciados. Existem influenciáveis e os dificilmente influenciáveis. Ultimamente, você é um influente ou um influenciado? De que lado você está? Se está do lado dos influenciados e facilmente influenciáveis, saiba que é possível mudar. Paradoxalmente, permita-se ser influenciado por este conselho.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

A falta médicos no Brasil: alguns equívocos e muitas dúvidas

A falta de médicos e demais profissionais de saúde em regiões carentes, periféricas ou isoladas do país fez o Governo Brasileiro sinalizar algumas medidas para tentar resolver o problema a curto e longo prazos. A curto prazo, a medida que vem sendo mais discutida é trazer profissionais estrangeiros. A longo prazo, a medida já tomada foi uma Medida Provisória que adiciona dois anos aos cursos de Medicina, iniciados em 2015, para prestação de serviço obrigatório dos estudantes no SUS. Duas medidas que, efetivamente, devem produzir muito mais polêmica que resultados efetivos.

Antes de discutir as medidas, em si, é necessário entender as causas do problema. Por que faltam médicos em algumas regiões, enquanto outras estão tão bem servidas? A maioria dos médicos está concentrada nas regiões Sudeste e Sul (mais de dois terços), notadamente nas grandes cidades. São estas as regiões mais ricas e desenvolvidas do país. Já nas regiões Norte e Nordeste, a razão quantidade de médicos por habitante é a menor do país, sendo estas as regiões menos desenvolvidas. Nas cidades do interior, principalmente as menores e mais isoladas geograficamente, estão as menores taxas de médicos por habitante. Também dentro das cidades maiores, de todas as regiões, os médicos estão mais concentrados nas áreas centrais e mais nobres, ficando as periferias com a menor proporção destes profissionais. Não é novidade para ninguém que as periferias das grandes cidades são regiões normalmente muito populosas e que passam por graves problemas sociais, como violência, baixa escolaridade e falta de saneamento. Como é possível perceber, não faltam médicos no Brasil. O problema é que estes estão mal distribuídos, concentrados nas regiões mais ricas e que apresentam melhor infra-estrutura. Em outras palavras, os médicos estão indo para onde lhes são oferecidas melhores condições de trabalho.

O problema já é antigo, tanto que, ao longo dos anos, os governantes tentaram levar médicos para as regiões mais carentes através de salários maiores. Não adiantou. O que comprova ainda mais que o problema não são os salários, e sim a más qualidade de vida e condições de trabalho proporcionadas nestes locais. Nenhuma das duas medidas tomadas pelo governo visa resolver esta questão. Considerando que dotar os municípios de uma infra-estrutura mínima, capaz de atrair profissionais, não é algo que se possa fazer do dia para a noite, e que a falta destes profissionais é um problema "para ontem", a vinda de médicos estrangeiros pode ser considerada uma solução paliativa, mas que se faz bastante necessária. O mesmo já não se pode dizer do trabalho obrigatório dos estudantes de Medicina no SUS, pois, além de ser uma medida para longo prazo (somente em 2020 terminarão os seis anos iniciais de curso das primeiras turmas impactadas pela MP), não ataca o real problema, que é a precariedade das condições de trabalho. Além disso, as duas medidas, que estão sendo tentadas, ainda carregam consigo algumas deficiências que geram muitos questionamentos na sociedade.

A contratação de médicos estrangeiros visa atender as regiões menos favorecidas. Para isso, o Governo pretende aceitar médicos sem a obrigatoriedade destes prestarem o Revalida, exame para revalidação do diploma estrangeiro no país. A justificativa, dada pelo Ministro da Saúde, é que o Revalida daria direito ao médico estrangeiro de trabalhar em qualquer local do país, justamente o que o Governo não quer. Sem o Revalida, ele poderá ser contratado legalmente para trabalhar apenas nos locais autorizados pelo Governo. Faz sentido. Porém, sem a revalidação, a qualidade dos profissionais a serem contratados fica sendo uma grande incógnita. Médico ruim pode ser tão grave quanto não ter médico.

Já a MP que aumenta em dois anos a duração dos cursos de Medicina, a serem iniciados a partir de 2015, para que os estudantes tenham serviço obrigatório no SUS, traz consigo uma polêmica ainda maior e muitos questionamentos. É justo que estudantes de uma categoria profissional sejam obrigados a prestar um serviço social para o Governo, ainda que remunerado, para que possa obter o diploma? Se sim, por que outras categorias profissionais também não têm tal obrigação? Além disso, uma reivindicação antiga dos médicos no SUS são melhorias salariais. Para atrair mais médicos para o SUS, nos próximos anos, o Governo certamente precisaria melhorar os salários, mas, com a oferta grande de profissionais (estudantes) que será gerada por esta MP, desaparece (para o Governo) a necessidade de melhor remunerar os médicos do SUS. Isso não poderá afastar ainda mais os bons profissionais do Sistema Único de Saúde? Ademais, será que os oito anos de curso somados à necessidade de trabalho obrigatório em locais não atrativos, não irá diminuir o interesse dos estudantes pelo curso de Medicina? Outra, um médico, durante este serviço obrigatório, é um profissional ainda em fase de aprendizado. Como poderá este profissional ser alocado em um município isolado, talvez até como único médico deste município, sem outros profissionais mais experientes para auxiliá-lo? Como ele irá aprender? Não é tenebroso? São dúvidas que ficarão "no ar".

Como se percebe, o Governo busca resolver o problema da falta de médicos, mas as medidas adotadas e propostas parecem muito precipitadas e precisam ser reavaliadas. A falta de médicos é um problema sim, mas, mais do que isso, ela é consequência de outras mazelas que o país precisa enxergar e buscar corrigir. Nenhuma das medidas irá gerar melhores condições de trabalho para os profissionais. A solução passaria por melhorar essas condições de trabalho e a qualidade de vida nos municípios mais isolados e das áreas periféricas das grandes cidades, que é o que realmente poderia despertar o interesse de médicos e atraí-los. Tão óbvio que não é nem preciso ser profissional da área de saúde para perceber isso.

domingo, 16 de junho de 2013

Vaias para Dilma, bom para quem?

Abertura da Copa das Confederações, 15 de junho de 2013, pouco antes das 16 horas. Quando o nome da presidenta era anunciado, as primeiras vaias surgiram e, quando era anunciado seu discurso, as vaias ecoaram em alto e bom som. As vaias eram para Dilma, mas, na prática, quem mesmo estava sendo vaiado?

As últimas semanas foram marcadas por intensas manifestações em todo o Brasil. Ótimo que o brasileiro começou a sair da inércia e passou a reivindicar, protestar e reclamar com ênfase contra situações injustas que lhe são impostas. No entanto, a expressão "direito de protestar" ainda foi usada bastante nas últimas semanas para justificar formas de manifestações que, em alguns casos, fugiram da noção do bom senso e partiram para a vandalismo, sendo rebatido, muitas vezes, de forma violenta e truculenta pela autoridade policial. Já no caso das vaia presidencial, faltou compreensão a cerca do momento e da justificativa para tal ato. Se por um lado, o país aprendeu que protestar é preciso, por outro lado, ele ainda não aprendeu que protesto saudável é aquele que tem objetivo, forma e momento para ser realizado. Não foi o caso deste.

Por exemplo, se você está insatisfeito com um professor da faculdade, não é no momento do seu discurso na festa de formatura que você irá se manifestar. Se você tem uma divergência com seu irmão, não é no momento do casamento dele que você irá passar a história limpo. Se você está insatisfeito com seu chefe, não é na hora de uma celebração que você vai expôr seu descontentamento. Existe a hora das solenidades e das festas, onde o respeito deve ser preservado, e existe o momento de lavar a roupa suja. Aos convidados destas festas não interessa saber de seus problemas pessoais. A abertura da Copa das Confederações era uma destas solenidades e o mundo que acompanhava a festa eram os convidados a quem não lhes interessa em nada saber se o brasileiro aprova ou não seu governante.

Além de proporcionar um constrangimento, a manifestação em nada contribuiu para alcançar um objetivo. Como já dito anteriormente, todo protesto precisa de um objetivo, precisa ser fundamentado. E qual foi o objetivo das vaias? Fazer a presidenta passar vergonha? Nooooooooossa! Isso fará o Brasil melhor? Vai mudar alguma coisa? Muitos vaiaram, muitos outros vibraram, a hashtag #chupadilma virou trending topic mundial .... e só! Nada mais que isso. Bom para quem?

As vaias à presidenta numa solenidade oficial mostrou que o brasileiro, além de ser chamado publicamente de mal educado em cadeia mundial, como fez Joseph Blatter, não aprendeu a protestar de forma objetiva. Quem vaiou, ao final, foi para sua casa, mas no dia seguinte não vai sair às ruas para protestar ou se manifestar na frente do Congresso ou na frente do Palácio do Planalto. Quem vaiou, se encontrar a presidenta na inauguração de uma obra, talvez até bata uma foto e peça um autógrafo. Quem sabe até vote nela, novamente, daqui a 16 meses. Quem vaiou, no dia seguinte, viverá sua vida normal, como se nada tivesse acontecido e como se não tivesse motivo algum para fazer um protesto de verdade. Pelo contrário, os motivos não faltam. Falta é protestar de forma objetiva, como os manifestantes que não entraram no estádio e fizeram uma manifestação muito mais coerente e bem direcionada durante todo o dia, em Brasília, ou como fizeram os manifestantes do Movimento Passe Livre, em São Paulo.

Retomando a questão do primeiro parágrafo. As vaias foram para Dilma, mas elas se direcionariam bem melhor para aqueles brasileiros que precisam aprender a protestar de verdade.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Lavar o carro. Lavar a alma.

Desenrolar a mangueira, pegar a flanela, jogar água, esfregar, polir, secar... tudo isso faz parte da tarefa de lavar um carro. Muito mais que uma tarefa ou um trabalho, lavar um carro é uma terapia, é um momento de reflexão e, muitas vezes, de prazer.

Não é de hoje que o ditado dizia: "quem ama, cuida". Pois é! Não precisa necessariamente amar, mas, se você tem cuidado e zela pelo que é seu, já deve ter percebido como a lavagem do carro faz bem para a alma. Entre uma sujeirinha aqui e uma limpadinha ali, você vai molhando, ensaboando, deixando tudo nos trinques. Vão-se as sujeiras do carro e, junto com elas, vão também tudo aquilo que envenena seu corpo. Você limpa o carro, mas é você que vai se purificando. Você vai se tornando limpo, mais leve.

Durante aqueles minutos (ou horas), você trabalha, geralmente só, em paz com você mesmo. É você somente com você. Entre uma esfregadinha e outra, você pode pensar na vida. Pensar no que fez de errado, pensar no que acertou. Pensar no que poderia ter feito, pensar no que vai fazer. Pensar nos seus problemas e pensar em como resolvê-los. Lembrar de coisas boas, rir sozinho, cantar aquela bela canção com sua voz desafinada. É reflexão, é introspecção. É um momento de paz interior. O prazer nas pequenas e coisas simples.

Ao final, o sentimento do dever cumprido. Aquela sensação de que deu trabalho, mas ficou muito bom. Já que tudo que dá trabalho, quando termina certo, é mais gostoso. Missão cumprida. É seu carro velho, com o cheirinho de novo. E foi você que conseguiu. Palmas para você!

Mas tem gente que não se permite este prazer e manda seu carango para o lava-jato. Até que voltará limpo, do mesmo jeito, mas pelas mãos de terceiros. "Tadinhos" do carros destes donos: serão cuidados por desconhecidos. Aliás, coitado é quem faz esta maldade consigo mesmo. Perde a chance de viver este momento. Perde a chance de se ocupar com um trabalho prazeroso, sem prazos, sem a cobrança dos chatos. Neste trabalho, você é o chefe e o cliente ao mesmo tempo. E quando isso acontece, não é mais trabalho: é lazer, é um hob. É mais que isso, é uma terapia. Terapia para desopilar a mente, recarregar as baterias e acariciar a alma.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Somos uma eterna contradição


Vivemos afundados em contradições. O culpado disso? Nós mesmos. A todo instante desejamos algo, queremos algo, agimos de um modo e, como num passe de mágica, adotamos uma postura, com ações e pensamentos, completamente diferentes daquilo que sempre postulamos. Não adianta fingirmos. São inúmeras as situações cotidianas que nos denunciam como os seres mais contraditórios da face da Terra.

Vejamos nossas atitudes com os necessitados. Dizemos que os idosos, os deficientes e as gestantes precisam ser respeitados. Crucificamos pessoas que os maltratam. Pedimos prisão para eles. No entanto, não conseguimos ser cidadãos ao ponto de respeitar simples vagas privativas para os idosos, os deficientes e as gestantes nos estacionamentos. Queremos ser cidadãos, mas não fazemos esforço para tal.

Vejamos nosso comportamento perante os excluídos. Nos sensibilizamos com a fome, nos sensibilizamos com a miséria e dizemos que as autoridades não ligam para os pobres. No entanto, andamos pela ruas e, quando passamos ao lado de mendigos, fingimos que não os vemos, como se eles não estivessem ali, diante de nossos olhos. Algumas vezes, até demonstramos que os vemos, mas, neste caso, desviando o caminho para evitá-los. Por falar em excluídos, quantas vezes, em meio a uma festa, bebendo e comendo do melhor, já dissemos a frase "poucos com tanta coisa e muitos com tão pouco"?

Se excluímos pobres anônimos, vejam o tratamento que damos as pessoas famosas. Não nos importa o caráter do famoso, para transformá-lo em um ídolo, basta gostarmos de sua música, ou seu talento futebolístico ou de sua beleza. Não nos importa se ela é um mal exemplo para os jovens ou para as famílias, basta admirarmos uma determinada qualidade, muitas vezes supérflua, para tratá-la como uma pessoa importante, superior. Já perceberam a comoção que ocorre quando uma dessas pessoas famosa morre? Comportamento análogo ocorre quando este ser famoso é um cantor do qual não gostamos. Não nos importam suas "boas" qualidades. O fato de não gostar de sua música é suficiente para até soltarmos um maldoso "já vai tarde". Valorizamos características muito superficiais.

Vejamos nosso comportamento diante da política. Criticamos os políticos por sempre quererem levar vantagem, por desviarem recursos, por empregarem familiares e por buscarem vantagens provenientes de seus cargos, mas nós mesmos sempre queremos uma mãozinha de um conhecido para agilizar nossos processos ou "molhamos a mão" do policial para aliviar nossas multas. Quando achamos uma carteira na rua, pegamos e não devolvemos, e quando a devolvemos ao dono, a carteira volta apenas com os documentos, sem o dinheiro. Da mesma forma, compramos um determinado pacote de TV, mas sempre admitimos que se o técnico quiser liberar uns canais a mais, podemos dar-lhe uns trocados. Reclamamos dos políticos corruptos, mas corrompemos e somos facilmente corrompidos.

Vejamos nosso comportamento como torcedores de futebol. Vestimos a camisa do clube e ignoramos todas as regras de convivência e tolerância que tanto defendemos. Não admitimos um torcedor com a camisa do time adversário próximo a nossa torcida no dia jogo. Partimos para o xingamento e muitas vezes para agressão, mas, no dia seguinte, quando tiramos a camisa de torcedores, pegamos o mesmo ônibus que os adversários, trabalhamos na mesma sala, almoçamos no mesmo restaurante e não se agredimos. Pelo contrário, respeitamo-nos. Mudamos de comportamento como quem muda de roupa, neste caso, como quem muda de camisa em dia de jogos.

Vejamos nossas atitudes com o próximo. Adoramos criticar o que o outro diz, o que o outro faz, o que o outro parece ter feito, o que o outro poderia ter feito. Criticamos sem ao menos nos colocarmos no lugar do outro, sem ao menos procurar entender as circunstâncias e os porquês que o leva a agir ou se comportar de alguma forma. No entanto, queremos que as pessoas não nos critiquem. Não enxergamos nossos erros, pois nossos olhos estão sempre apontados para a casa alheia.

Reclamamos de quem assiste Big Brother Brasil, dizendo que é um entretenimento sem conteúdo, que não contribui para a educação, que é um entretenimento vazio, que é alienação, blá, blá e blá, mas ficamos supervalorizando e parando tudo para assistir futebol na TV. Será que o futebol educa, é um entretenimento intelectual ou não é alienante?

Nos indignamos com os problemas de nossa cidade. Apontamos todos os defeitos da cidade. Porém, se alguém de fora da cidade aponta estes mesmos defeitos, nos indignamos com a pessoa e dizemos que é ofensa. Mas nem toda crítica é ofensa. Por falar em ofensa, muitas vezes ela realmente acontece, principalmente, em forma de piadas. Nos ofendemos com piadas sobre nossa cidade e com o povo da nossa cidade, mas achamos graça quando fazemos piadas com o povo de outras cidades. Queremos respeito, mas não agimos da mesma forma.

Vejamos nosso comportamento como cidadãos. Reclamamos das ruas alagadas e do lixo nas ruas, sempre colocando a culpa do poder público. No entanto, contribuímos para a sujeira e para as alagações jogando tudo o que não presta na rua. Não fazemos nossa parte, mas sempre achamos um culpado para os problemas urbanos.

Por falar em problemas urbanos, um dos mais comuns é a violência. A segurança é dever do Estado, mas também depende do comportamento de cada um. Queremos estar sempre seguros, mas expomos nossa vida (que deveria ser privada) por completo na Internet. Dessa forma, até quem não nos conhece sabe os lugares que frequentamos, o local que trabalhamos, o local em que moramos e as coisas de que gostamos. Deixamos disponíveis informações de nossa família, até mesmo nossas fotos. Queremos segurança, mas deixamos o cadeado do portão de nossa casa aberto para os mal-intencionados.

Vejamos nosso preconceito. Dizemos que não discriminamos homossexuais e que somos tolerantes, mas, quando vamos xingar alguém, o chamamos de "viado". Ora, quando usamos uma opção sexual como xingamento, estamos assumindo que tal opção é algo ruim, desprezível ou ofensivo. Temos ou não temos preconceito?

Vejamos o que acontece no trânsito. Numa via de duas faixas, quando há uma fila de carros aguardando para convergir à esquerda, sempre há um ou mais espertinhos que cortam pela direita e tentam furar a fila mais a frente. Estes mesmos não furam a fila quando estão, por exemplo, numa agência bancária. O comportamento muda quando se está ou não se está protegido pelo invólucro do carro. Ficamos mais corajosos para más práticas quando estamos, de certa forma, mais protegidos.

Vejamos quantos outros comportamento contraditórios. Justificamos não seguir os ensinamentos da Igreja, dizendo que não temos religião. Mas não abrimos mão de um feriado religioso. Passamos a vida abrindo mão da nossa saúde para acumular riqueza. Depois gastamos a riqueza para recuperar a saúde que perdemos. Desejamos ser livres, donos do próprio nariz, mas passamos a vida em busca de uma alma gêmea para nos unirmos e, provavelmente, nos casarmos.

Nós somos assim mesmo, contraditórios por natureza. Ações, pensamentos e objetivos mudam completamente. Algumas vezes definitiva, outras alternadamente. Muitas vezes não percebemos, outras vezes temos plena consciência de tudo isso. Queremos ser felizes, mas a busca da felicidade nos entristece. Queremos o amor, mas temos medo de amar. Queremos ser nós mesmos, mas tentamos mostrar o que não somos. Uma roda vida, uma metamorfose ambulante, um poço de contradições. Nem bons, nem ruins, apenas contraditórios.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Um novo Papa e velhos desafios

Sim, temos Papa. E tão logo o novo Papa foi anunciado, choveram memes e piadinhas, principalmente pelo fato de ser, o escolhido, um argentino. Piadinhas até engraçadas, é verdade, motivadas parte por nosso saudável senso de humor, parte por nosso irresponsável preconceito com os nossos irmãos argentinos. Brincadeiras à parte, o mais importante é que não fiquemos apenas fazendo graça e pensemos no lado sério deste acontecimento.

Jorge Mario Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, foi o escolhido e adotará o nome de Francisco. Se a escolha foi boa ou não, só o tempo dirá. Neste primeiro momento, soa até como algo inconsequente fazer qualquer tipo de comemoração, afinal pouco se sabe sobre as histórias de vida ou os planos de qualquer um dos cardeais que eram candidatos. Nos próximos dias, a imprensa internacional, certamente, irá fazer uma devassa na vida pregressa do novo chefe da Igreja.

Ainda no mesmo dia da escolha, já começaram a surgir as primeiras informações. Já se sabe que o novo Papa teve atritos com o atual governo argentino por ele (o Papa) ser contra a união civil de homossexuais e por cobrar publicamente ajuda deste para os pobres. Também surgiram informações de que a nova Sua Santidade está sendo investigado dentro da Argentina por suposta colaboração com a ditadura argentina, em que há acusações de envolvimento com sequestros de jesuítas e bebês durante este período. Ainda no primeiro dia de escolha, outros comentários deram conta de que o cardeal Bergoglio tem se destacado por levar uma vida simples, sem ostentação, em Buenos Aires: ele mesmo preparava as suas refeições e costumava usar o transporte público.

Entre polêmicas, verdades ou mentiras, de certo mesmo, é que o novo Papa terá pelo menos dois grandes desafios pela frente. Primeiramente, recuperar o prestígio da Igreja Católica, abalada por seguidos escândalos de pedofilia e que perde seguidores ano a ano. E o segundo desafio, que é unir a Igreja internamente, já que fala-se muito que existem divergências, disputas por poder e conchavos entre os cardeais da cúpula do Vaticano, sendo estes, fala-se, mas não se confirma, alguns dos principais motivos que levaram Bento XVI à renúncia.

No mais, é esperar que o Papa Francisco seja bem sucedido e consiga conduzir a Igreja, e parte do mundo que ela influencia, por caminhos melhores. A escolha de um pontífice latino, pela primeira vez na história, soa bem. Parece demonstrar que a Igreja não está com os olhos voltados apenas para a Europa e está aberta a outros continentes. Independentemente da nacionalidade, que este seja um Papa para todos os povos.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

A era do desrespeito digital

Respeito. Algo que todos almejam ter. Algo que todos deveriam oferecer. No passado, se existia um ensinamento que os pais conseguiam transmitir melhor para seus filhos era o respeito. O que vemos hoje, em tempos de redes sociais, é o desrespeito cada vez mais evidente. Fala-se de tudo, fala-se sobre tudo. Faz-se piada com tudo e com todos. Vivemos a "era do desrespeito digital".

Muito desse desrespeito, reflete pura falta de educação. Mas não é só isso. A noção de que é preciso respeitar a intimidade, o sentimento e a dignidade da pessoa humana parece que "foi para o espaço". E onde isso fica mais evidente é na Internet. Nessa "terra-sem-lei" fala-se de qualquer pessoa ou qualquer instituição por impulso, sem a menor preocupação se o que fala procede, ofende ou desrespeita. Muitas vezes, critica-se sem conhecimento de causa e, até mesmo, sem ao menos saber se aquilo que está sendo criticado ao menos é verdade. Outras vezes, uma situação embaraçosa, capaz de envergonhar seu protagonista, acaba sendo motivo de piada e as pessoas fazem questão de espalhá-la rapidamente, como se fazer piada de alguém em uma situação vexatória não fosse uma forma de desrespeito também.

Vejamos alguns exemplos. Nas comunidades do Orkut, no Facebook ou no Twitter é muito comum a opinião de um membro não ser bem aceita pelos demais. A divergência de opinião é normal. O que não é normal, nem agradável, é a forma como a opinião diferente é recebida. Muitos dos que discordam não conseguem debater um assunto sem, no mínimo, retrucar com palavras ofensivas direcionadas ao autor de opinião. Impressiona a quantidade de pessoas despreparadas para debater e argumentar com outras pessoas de opiniões diferentes, mantendo a discussão em nível respeitoso.

Críticas pesadas e comentários desrespeitosos são direcionados não só a pessoas, mas também a grupos, entidades ou instituições. As vezes o desrespeito é provocado simplesmente por falta de interesse ou afinidade com eles. Assim acontece quando fala-se mal daquela banda ou daquela dupla sertaneja ou daquela determinada igreja ou daquele partido político, entre outros. Fala-se mal de qualquer coisa com ela relacionada. Fala-se mal das atitudes, faz-se piadinhas com sua história, sua qualidade, sua competência, fala-se mal de sua seriedade, desconfia-se de tudo. Enfim, desrespeitam as instituições ou entidades de forma gratuita, somente por falta de afinidade. Desrespeitam por tabela, também, aqueles que por estas se interessam.

Pessoas mais conhecidas também são alvos de desrespeito. Estes sofrem desrespeito com boatos e, até, por atitudes mal compreendidas. Quem não lembra dos boatos referentes à sexualidade de um determinado apresentador da televisão? Muitos também criticam atitudes, sem ao menos ter conhecimento de causa. Se um famoso juiz concede um habeas corpus a alguém acusado de cometer um crime,  logo dizem que "é um absurdo, o juiz se vendeu". Esses críticos nem sabem as condições que justificam um habeas corpus, mas criticam de forma ofensiva! Quando um governante anuncia o aumento do preço de um determinado serviço, como passagem de ônibus, chovem críticas. Não se preocupam em saber se há justificativa. Se aumentou, já dizem que é roubo do governante junto com os empresários.

Os famosos também são desrespeitados através de duras piadas quando passam por situações embaraçosas. Quem não lembra do treinador de futebol que foi alvo de piadas, ao conceder entrevistas com seu inglês sofrível, quando treinava a seleção da África do Sul? Os internautas não o pouparam da humilhação ao espalhar charges e memes. E aquela famosa cantora que, sonolenta após consumir remédios, errou a letra do Hino Nacional numa cerimônia. Choveram críticas e piadinhas infames. Situações como estas se repetem aos montes. São, é verdade, até engraçadas, mas certamente são constrangedoras para quem por elas passa. Entre a graça e o constrangimento, as pessoas preferem a graça e se esquecem de se colocar no lugar daqueles que passam por tais situações. E se fosse com você? Como você se sentiria? Já parou para pensar nisso? Se fosse com um amigo, certamente você iria dar apoio, mas, como é com uma "pessoa distante", vale o desrespeito? O distanciamento de quem é ridicularizado justifica o desrespeito?
Ou será que, talvez, o distanciamento torne as pessoas mais "corajosas", ao ponto de xingar quem pensa diferente ou ridicularizar quem quer que seja?

A falta de respeito se tornou algo tão corriqueiro que muitas vezes achamos tudo isso normal. É preciso aprender a respeitar opiniões contrárias. Críticas são bem-vindas, precisam e devem ser feitas com a intenção de corrigir, de denunciar ou de apresentar novos pontos de vista. É preciso saber debater, saber discordar com argumentos, sem partir para xingamentos e agressões. Quando uma notícia é divulgada, antes da crítica, deve-se refletir se ela procede, se tem fundamento, se não é um boato. Da mesma forma, quando alguém faz algo que não nos agrada, devemos procurar primeiro entender as circunstâncias que o motivaram, antes de reagir precipitadamente. Por fim, também é preciso se colocar no lugar dos outros antes de levar uma piadinha adiante. Ridicularizar não é legal. Ofende. Entristece. Envergonha a pessoa humana. Não importa se quem é ridicularizado é um amigo próximo, um conhecido distante, um famoso ou um anônimo. Tomara que essa nova "era do desrespeito digital" não seja de fato uma era, e sim apenas uma fase. Que as pessoas logo aprendam que respeito, antes de tudo, é bom e enobrece.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O palhaço não suportou a palhaçada


O palhaço cansou. Cansou de ser tratado como palhaço e, desiludido com a política, Tiririca anunciou que, em 2015, largará a política para voltar a ser humorista.

Em 2010, o então humorista Tiririca foi eleito deputado federal pelo estado de São Paulo ostentando a maior votação do país. Seus pouco mais de um milhão e trezentos mil votos lhe renderam a segunda maior votação da história para o cargo. Tão grande quanto sua votação, foi o tamanho da repercussão. Para muitos, sua eleição foi um atestado de que o brasileiro não leva as eleições a sério. Já, para outros, foi o contrário. Foi a constatação de que o brasileiro cansou de tanta decepção ao longo dos anos com a classe política e que prefere um palhaço, literalmente, na Câmara de Deputados, aos atuais "homens sérios de paletó e gravata". A verdade é que, passados dois anos de mandato, o cidadão Francisco Everardo Oliveira Silva surpreendeu positivamente a todos.

Apesar de não ter uma boa formação acadêmica e de ser um calouro na política, Tiririca procurou seguir a cartilha de bom deputado. Em 2012, esteve na lista dos quinze melhores deputados do ano e foi um dos nove deputados (de um total de quinhentos e treze) que, até aquele ano, não havia faltada a nenhuma das 171 sessões de votação da Câmara, mesmo daquelas em que a presença não era obrigatória. Tiririca também elaborou sete projetos de lei. Nenhum destes, no entanto, foi apreciado pela Câmara para poder virar lei, talvez por sua ingenuidade ou por pouco poder de influência. O certo é que Tiririca não fez politicagem, não se envolveu com esquemas fraudulentos ou fez alianças por interesses impróprios. Talvez por estes motivos, também, seus projetos não tenham deslanchado. Segundo o próprio, "havia outros interesses na Casa".

Passados dois anos de mandato, o deputado percebeu que trabalhava muito, mas conseguia fazer pouco. Conseguia fazer pouco porque procurou ser "apenas" dedicado e honesto. Não existe espaço para esse tipo de deputado na política. O sistema o isola e trata de afastá-lo. Também percebeu que trabalhava mais do que quando era humorista e que ganhava menos, apesar de seus colegas, com os mesmos salários, aumentarem constantemente seus patrimônios. Tiririca não enriqueceu (apesar do bom salário de deputado) porque trabalhou muito e porque procurou ser dedicado e correto no trabalho.

Tiririca vai cumprir todo o seu mandato, mas, em 2015, para ele, a "palhaçada" de verdade acaba. Voltará a ser o palhaço do dia-a-dia, o palhaço que diverte. Um palhaço com mais dinheiro no bolso, mas um palhaço digno e honesto.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

As lições que nos deixa a exoneração do delegado


Quando o delegado Pedro Pinho foi desabafar no Twitter, na tarde desta segunda-feira, 21 de janeiro de 2013, não imaginava a repercussão que suas declarações iriam causar. O delegado utilizou a rede social para criticar o desempenho de colegas de sua corporação, especialmente das mulheres, as quais acusou de não terem vocação e nem dedicação para a atividade policial. O resultado foi sua exoneração do cargo no dia seguinte. Saiba mais sobre o caso clicando aqui.

As declarações do referido delegado se parecem como um desabafo de alguém que está incomodado com uma situação. Ele utilizou a rede social para expôr sua indignação, aparentemente verdadeira. E se não escreveu nenhuma mentira, por que foi exonerado? Injustiça? Não. Sua punição deveu-se ao erro por ele cometido, um erro muito comum também cometido por milhares de usuários de redes sociais: usar a rede de forma errada (ou como canal errado) para solucionar seus problemas. Em outras palavras, no bom popular, usar a rede para jogar a "merda no ventilador".

Já imaginou se todo funcionário insatisfeito com o desempenho de seus colegas de trabalho subir em um trio elétrico, na frente da empresa, e usar o microfone para dizer, para todas pessoas que estão passando na rua e para aquelas que estão dentro do prédio da empresa, que trabalha com pessoas incompetentes? Pois foi exatamente isso que o delegado fez. No caso, a rede social fez o papel do trio elétrico com microfone aberto para o mundo. Não importa se o que foi dito é verdade ou não. Ao criticar seus colegas na rede social, o delegado os ofendeu publicamente e, ao contrário do que muitos pensam, não contribuiu em nada para melhorar a situação ou resolver o problema de sua corporação. Pior ainda, gerou uma imagem perante a sociedade que a referida corporação seria formada por pessoas não comprometidas. Manchou a imagem da corporação. A atitude mais correta seria denunciar a situação ao órgão interno competente ou a chefia imediata, ou seja, procurar de fato resolver o problema, mas nunca procurar tornar o caso público. Além do mais, a opinião do delegado é algo muito particular. Já imaginou se o que foi dito pelo delegado não for verdade? E se suas declarações forem motivadas por uma frustração, por exemplo, pelo fato de o desempenho das mulheres ser melhor em relação ao seu? Não acho que seja o caso, mas a opinião pública já foi influenciada pelos seus primeiros comentários. Perigoso isso.

O delegado mereceu ser punido, mas, sem entrar no mérito se a punição foi exagerada ou não (no caso, a exoneração) a verdade é que este caso é mais um exemplo de mau uso das redes sociais. Muitas pessoas ainda tratam as redes como uma "terra sem lei", um espaço que pode ser usado para dizer o que bem entendem, sem se preocupar se as declarações são ofensivas, imorais, caluniosas ou anti-éticas. Pelo contrário, a rede social é um microfone aberto para o mundo. É preciso compreender que as declarações atingem um público grande e variado, público este que não tem nenhum conhecimento dos fatos e que facilmente tenderá a ser influenciado pelos comentários unilaterais do interlocutor. Este mesmo público estará prontinho para emitir suas opiniões baseadas apenas no que está lendo. É preciso ter responsabilidade pelas consequências que certas declarações poderão gerar.

Problemas no trabalho, problemas na família, problemas no condomínio, entre outros devem ser resolvidos e discutidos entre os envolvidos ou entre aqueles que são diretamente impactados pelo impasse. Extrapolar os limites deste círculo é expôr os envolvidos a constrangimentos desnecessários. É preciso lembrar também que nem tudo aquilo que nós achamos é de fato verdade. Muitas vezes, cometemos enganamos e criticamos alguém de forma injusta. Tornar público certas impressões só aumenta o constrangimento e o tamanho do estrago causado aos envolvidos.

Só utilize a rede social, de forma pública, se for para discutir ou criticar algo que seja de interesse público. Não a utilize para falar mal de algo ou alguém simplesmente para desabafar e tornar público um problema restrito. Não torne pública uma desavença com o síndico de seu condomínio; mantenha a questão dentro de seu condomínio. Não torne público um desentendimento com seu chefe; restrinja a situação ao seu chefe ou ao nível hierárquico imediatamente superior a ele (que, neste caso, está envolvido). Não fale mal publicamente do seu vizinho, do seu colega de trabalho, do seu familiar... Procure solucionador o problema pelos meios corretos ou pelos canais competentes. Discuta publicamente aquilo que de fato seja de interesse público. Roupa suja se lava em casa.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

A política que nos desilude a cada dia

A política é uma das ciências mais presentes em nosso cotidiano. Na conceituação erudita, política é "a arte de conquistar, manter e exercer o poder, o governo". Numa conceituação moderna, "política é a ciência moral normativa do governo da sociedade civil". Não há dúvidas que o interesse pela política é não apenas importante para o cidadão, mas um dever que todos devem ter, pois é justamente dos fatos e das decisões políticas que depende o futuro da sociedade. Mas como manter-se entusiasmado por ela vendo, a cada dia, exemplos e mais exemplos de fatos e pessoas que estragam esta arte e decepcionam aqueles que por ela se interessam?

Conceitualmente política denomina arte ou ciência da organização, direção e administração de nações ou Estados. Os políticos são os agentes que fazem a política, ou seja, participam diretamente desta administração. "Ser político", na teoria, parece uma missão, algo que visa o bem da coletividade. Infelizmente, vemos que o bem que é visado se restringe não mais que até os limites dos muros das casas de cada político.

Vejamos os exemplos que nos rodeiam. No período eleitoral, deveríamos ter um momento para "debates e propostas", mas o que temos são "embates e chacotas". Em busca de votos, os candidatos passam mais tempo procurando desqualificar os adversários que discutindo e apresentando projetos para apreciação dos eleitores. Os postulantes aos diversos cargos não fazem uso do fair play, tão pregado nas competições esportivas, mas se utilizam de todo e qualquer tipo de baixaria para "destruir o inimigo". Passadas as eleições, durante o mandato, estabelece-se quem é situação e oposição. Estes dois grupos passam a confrontar-se e a agredir-se. Mais importante que os projetos é destruir o outro grupo.

No Brasil, os cargos políticos são disputados praticamente "a tapa". Pelo comportamento dos políticos, ocupar um cargo não é um objetivo motivado por um projeto ou pelo desejo de fazer o melhor pela sociedade, mas sim motivado por um bom emprego. Um emprego que trará bons rendimentos financeiros, mordomias e benefícios. Isso fica muito claro, quando vemos políticos não concluindo mandatos e sim "pulando" de cargo em cargo, seja para ocupar uma posição mais atrativa ou para ficar mais tempo no poder. Assim vemos alguém ser eleito vereador para um mandato de quatro anos, mas, dois anos depois, ele já está concorrendo a deputado. E, após ser eleito deputado, já concorre dois anos depois a prefeito. Já quando é eleito senador, para um mandato de oito anos, na primeira eleição seguinte já tenta se eleger prefeito. Já em outra oportunidade se afasta do senado (ou da câmara de vereadores) para ser ministro (ou secretário). Uma infinita repetição de mandatos interrompidos.

Algumas vezes, surgem políticos que parecem ser diferenciados e se tornam "herois. Estes conquistam a confiança e o respeito por sua bela história política, mas parecem se contaminar pelo submundo político e destroem sua reputação em segundos. Veja o exemplo do ex-presidente Lula. Teve uma infância pobre, entrou para a política e teve uma trajetória brilhante. Tornou-se o primeiro presidente ex-operário. Conquistou muitos simpatizantes, mas a podridão dos bastidores que o cercava o contaminou. É verdade que Lula, até o presente momento, não tem sobre suas costas qualquer acusação grave de que tenha participado de esquemas de corrupção. Como disse uma vez um amigo, qualquer jornalista tem o sonho de publicar algo grave contra ele, mas, se até agora não fez, deve ser porque realmente não existe, mas, mesmo aparentemente não se corrompendo, o "heroi" Lula ficou cercado de corruptos e não foi capaz de denunciá-los. Pelo contrário, ganhou o estigma daquele que "não sabia" ou "não viu". O comportamento do ex-presidente com relação aos corruptos de seu partido é bem diferente dos tempos em que ele era oposição e denunciava os corruptos de outros partidos.

Também temos muitos outros comportamentos que nos decepcionam. Políticos que hoje se dão as mãos, nas próximas eleições se tornam inimigos mortais. E inimigos de longas datas, magicamente, se unem. Tudo pela conveniência do jogo político. Outros cumprem mandatos inteiros e não apresentam projetos ou não defendem causa alguma, mas baixam a cabeça e obedecem a todas as ordens do seu grupo político. Os políticos de "nome", os mais poderosos, usam sua influência para conquistar cargos para seu partido, quando poderiam estar trabalhando pela sociedade. Assim vemos governadores se metendo em eleição para presidentes de câmara municipal e senadores influenciando eleições para prefeitos. Até mesmo denúncia de chantagem foi comentada na última eleição para fazer um ou outro pré-candidato desistir da candidatura em favor de outra pessoa.

O comportamento dos eleitos também desilude o mais otimista dos cidadãos. Vemos a dificuldade que é aprovar determinados projetos de relevância para a sociedade em contraste com a velocidade em tempo recorde para votar e aprovar um aumento de salários para eles mesmos. Vemos superfaturamentos e desvios de dinheiro aos montes em contraste com a falta de verba e de investimentos em setores como educação, saneamento, transportes e segurança pública. Vemos ações e obras necessárias, mas que não são feitas porque não dão "ibope", afinal a prioridade é fazer algo que chame a atenção de eleitores visando as próximas eleições. No Congresso Nacional, diversos partidos vendem apoio ao governo federal em troca de "conquistar" um ou mais ministérios. Mais recentemente, presenciamos até uma vereadora que foi capaz de forjar o próprio sequestro como uma manobra para adiar a votação para a eleição do presidente na câmara.

Enfim, a política vai decepcionando aqueles que têm consciência de sua relevância. Não a política, necessariamente, mas aqueles que a fazem. Uma arte mal aproveitada que mais parece um jogo de intrigas, e maracutaias que visa o interesse pessoal. A política não perde sua importância, mas desilude quem a acompanha, cada vez mais, a cada dia.