domingo, 31 de agosto de 2014

O racismo e os novos valores da sociedade

Mais um episódio de racismo no futebol chamou a atenção da mídia esta semana. Atos racistas são, já há algum tempo (e com razão), cada vez mais questionados pela nossa sociedade. No entanto, o que mais me marcou não foi o ato em si, a repercussão do caso ou a crucificação pública da menina flagrada cometendo os insultos, mas uma reflexão dos valores da sociedade provocada pelo episódio.

O racismo é um crime dos mais lesivos à dignidade das pessoa. Está presente há anos em nosso meio, anterior mesmo "ao tempo em que King Kong era um saguim". Felizmente, grande parte das pessoas já não aceita os racistas com a mesma tolerância que antigamente. Mesmo ainda não suficiente para extinguir atos racistas, percebe-se que um novo valor vem sendo consolidado. A grande repercussão negativa de episódios assim são, aparentemente, indícios disso.

Da mesma forma como vem acontecendo com o racismo, já vemos mudanças de comportamentos da sociedade referentes a não aceitação de alguns poucos atos similares e igualmente denigrentes: homofobia e bullying são exemplos. É verdade que os casos de racismo, homofobia e bullying se tornaram até mais evidentes com as redes sociais, no entanto a repercussão negativa deles também tem sido alavancada pelas próprias redes. Em outras palavras, se as redes facilitam a proliferação desses comportamentos, elas igualmente provocam uma discussão sobre o tema que é de grande contribuição para que a sociedade possa refletir, mudar conceitos e formar novos valores.

Quase mudando de assunto (sem sair do tema), também chama a atenção que alguns comportamentos passaram a ser recriminados pela coletividade de forma veemente, enquanto outros ainda nem tanto. Por exemplo, xingar alguém em rede social de macaco se tornou caso de polícia, mas chamar alguém de homossexual aparentemente não choca tanto. Ora, o primeiro caso é de racismo e o segundo de homofobia, não é mesmo? Não deveriam ser tratados da mesma forma? Aliás, por que opção sexual é um xingamento? Bom, discutamos isso em outro texto.

Voltemos ao tema no contexto do futebol: jogadores do time adversário são xingados pela torcida local desde o aquecimento até o final de uma partida. São chamados de cabeças-chatas ou paraíbas (no caso de jogadores de times nordestinos), bambis, barbies e viados (homofobia), índios (no caso de jogadores de estados da região Norte), etc... Torcedores também fazem isso, xingando uns aos outros. Não vemos maiores repercussões por estes xingamento. São isolados os casos em que jogadores foram a uma delegacia denunciarem terem sido chamados de "paraíba" ou de "bicha". Aparente e estranhamente, é permitido xingar de quase tudo, exceto se o xingamento for racista.

Nas redes sociais, comportamentos semelhantes acontecem. Se você discutir com alguém em rede social e xingá-lo, o episódio terá grandes de chances de repercutir apenas como um "simples xingamento" no calor de uma discussão, mas se chamá-lo de preto, tende a virar processo por racismo. Ainda vemos algumas repercussões negativas envolvendo xenofobia ou homofobia, mas em grau bem menor que nos casos de racismo. Bem menor, é verdade, mas, pelo menos, já começam a acontecer.

No fim das contas, todos os casos citados envolvem injúria, discriminação ou rebaixamento das vítimas. Todos os esteriótipos atribuídos a alguém visam denegrir sua condição, seja por racismo, xenofobia, homofobia, condição social, sexo, deficiência física ou qualquer outro atributo. Felizmente, a sociedade já está "tomando partido" de algumas causas e considerando determinados comportamentos inadequados. Isso é bom e mostra que estamos em um processo de evolução. Falta atentarmos para outras situações e levantarmos também outras bandeiras. Tudo em nome do respeito e da dignidade da pessoa humana.

sábado, 12 de julho de 2014

Somos todos argentinos

Desde que a "Copa das Copas" teve seus finalistas definidos, sem o Brasil, não é surpresa para quem ficou a torcida da grande maioria dos brasileiros. Para a Alemanha? Não. Na verdade, contra a Argentina.

Para muitos, ver a Argentina campeã, em solo brasileiro, seria um pesadelo. Por que? Motivos são o que não faltam. Nas palavras de vários brasileiros, "os argentinos são muito chatos", "eles não gostam do Brasil", "torcem contra nós", "fazem piada dos brasileiros", "são maleducados e fazem muita bagunça"... Você concorda que argentino é rival, maleducado, chato, faz piada e torce contra nós? Boa parte deles são assim mesmo e fazem tudo isso. No entanto, eles fazem com o Brasil o mesmo que nós fazemos reciprocamente. São exatamente como nós.

Interessante: os diversos adjetivos que os brasileiros usam para desqualificar os argentinos, e para justificar a torcida contra eles, podem ser aplicados aos brasileiros. Afinal, nós somos chatos com eles, dizemos que não gostamos deles, fazemos piada com eles e não somos nenhum exemplo de boa educação. Criamos uma rivalidade igual a deles conosco e que, a cada dia, é incentivada pelos meios de comunicação. Quantas propagandas na TV vemos explorarem esse sentimento para fazer chacota com argentinos? É a Skol mandando os argentinos para uma ilha deserta. É Romário mandando dois pés esquerdos de Havaianas para Maradona, e por aí vai. Alguns podem dizer que é só rivalidade futebolística. Será? Talvez. A certeza é que, mesmo sem nunca conhecer um único argentino, muitos brasileiros repetem esses mesmos adjetivos pejorativos atribuídos aos argentinos.

E você? Por que enxerga os argentinos de forma depreciativa? É só futebol ou resposta ao que eles sentem por nós? De fato, quando fazemos piada, discriminamo-os ou os vemos como rival, apenas repetimos seu comportamento. Ou seja, assumimos um comportamento que nós mesmos recriminamos. No final, nos tornamos iguais a eles. Somos todos iguais. Somos todos argentinos.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Às personalidades fortes, o mundo pertence

Todos somos diferentes, mas existe uma tendência dominante em procurarmos fazer tudo igual. Criamos padrões de vida, modos de convivência, etiquetas, estilos a serem copiados e nos aprisionamos. Sim, nos aprisionamos. Fazemos o que o mundo pede e não o que gostaríamos de fazer. Viramos escravos do mundo pela simples falta de coragem de sermos o que somos ou de buscarmos o que queremos. É preciso ter personalidade para quebrar as algemas. Ter personalidade forte ou personalidade fraca é o determinante para sua escravidão ou sua liberdade.

Pessoas de personalidade fraca vestem-se como os outros se vestem. Usam roupas que não gostam só porque os outros estarão vestidos daquela forma. Pessoas de personalidade forte se vestem do jeito que se sentem bem, mesmo que não seja do mesmo jeito dos outros. Vestem-se de forma diferente, mas não de forma inadequada. Ventem-se de acordo com a ocasião, sim, mas do seu jeito. Que mal tem em usar um terno verde quando todos estão com escuros, ou mesmo um tênis, quando todos estão com seus sapatos apertando o dedão?

Pessoas de personalidade fraca morrem de vontade de comer uma galinha à cabidela, mas pedem ao garçom outro prato porque seus amigos pediram filé mignon. Tomam o mesmo whisky ruim que seu colega pediu e quase vomitam de desgosto, tudo porque não tiveram personalidade de pedir aquela cachaça barata que tanto adoram. Já pessoas de personalidade forte não teriam vergonha, nem se sentiram menores por pedir o prato ou a bebida que os fazem sentir-se bem.

Pessoas de personalidade fraca inventam desculpas para recusar um convite dos amigos. Dizem que tiveram um problema de última hora ou que estão com muito trabalho acumulado ou que estão com um familiar adoentado. Pessoas com personalidade forte não teriam vergonha e seriam honestos o suficiente para dizerem a verdade: "obrigado, mas não vou porque não gosto" ou "obrigado, mas hoje vou assistir um filme com minha esposa".

Pessoas de personalidade fraca compram o que não precisam, porque, para elas, seria vergonhoso comprar menos que os outros. Compram um celular multi-funcional, mesmo que o utilize apenas para telefonar. Compram um TV de 40 polegadas, mesmo que fique exageradamente grande em seu minúsculo apartamento, cujo paisagista havia recomendado uma TV um pouco menor. Compram um carro com motor 1.6, mesmo que nunca utilize fora da cidade. Compram tudo isso porque se sentem mal em comprar algo inferior ao que seu vizinho, amigo ou parente. Diferentemente destas, pessoas de personalidade forte compram o que lhes deixam satisfeitos, não importando se custa mais ou menos do que a maioria compra. Estas tanto podem fazer questão de escolherem o quarto de hotel com diária mais cara como também comprarem uma televisão CRT (antigas TVs de tubo) porque uma mais moderna não considera interessante. Pessoas com personalidade forte compram coisas caras sim e não se importam de pagar caro por aquilo que o deixam satisfeitos, no entanto não pagam um centavo naquilo que não lhes é interessante. 

Pessoas de personalidade fraca convivem com pessoas que não gostam. Vão à festas que não querem ir. Fazem coisas que não gostariam de fazer. Acham sempre que tem que fazer algum sacrifício porque precisam sentirem-se aceitas. São pessoas que não sabem dizer "não". Pessoas de personalidade forte sabem escolher pessoas, locais para ir e são honestas com outros e consigo mesmas: dizem sim para sua felicidade.

Pessoas de personalidade fraca precisam mostrar algo para os outros. Preocupam-se mais em fotografar que curtir a festa. Procuram mais "contar para os outros" que "viver o momento". Pessoas de personalidade forte valorizam quem está sempre ao seu lado. Vivem para quem é importante, mesmo que o resto do mundo não saiba de seus sacrifícios e nem suas conquistas. Elas sabem que outros não precisam nem saber.

Pessoas de personalidade fraca precisam provar algo. Não admitem que os outros pensem diferente. Querem impor suas opiniões. Pessoas de personalidade forte não precisam provar nada a ninguém. Não se preocupam se são julgadas de forma equivocada. Elas fazem questão de mostrar seu ponto de vista, mesmo que não sejam compreendidos. E quem discordar, que "passe bem".

Pessoas de personalidade fraca têm vergonha de si mesmas e acabam por fingirem ser o que não são. Contam sempre vantagens e escondem do mundo suas frustrações. Pessoas de personalidade forte fazem tudo diferente. Não precisam de holofotes. A diferença fundamental é que as pessoas de personalidade fraca tem vergonha de suas escolhas ou vergonha de mostrarem como são, pois preocupam-se demais com as opiniões alheias. Já as pessoas de personalidade forte sabem exatamente o que querem e colocam suas vontades acima das expectativas dos demais. Sentem-se bem consigo mesmas e vivem para serem felizes, não para fazerem o mundo feliz.

O mundo poderia até ser dividido entre os de personalidade forte e os de fraca, mas ainda existe um terceiro grupo: as pessoas "sem personalidade". Estas são as piores. Se as pessoas de personalidade fraca se preocupam mais com os outros que com si mesmas, as pessoas sem personalidade preocupam apenas com outros. Vivem olhando e julgando como os outros vivem, o que compram, o que fazem, o que não fazem, o que poderiam ou deveriam fazer. São pessoas que criam seus padrões e passam a vida julgando os que saem destes padrões por elas mesmas criados. Ficam com os olhos voltados constantemente para grama do vizinho, seja para achá-la mais verde ou mais seca que a suas. Olham para os outros e esquecem de olhar para si. São pessoas perigosas, pois é exatamente o seu comportamento que atinge as pessoas de personalidade fraca. Afinal, pessoas de personalidade fraca não agiriam como agem se não fossem os comentários maldosos de pessoas sem personalidade. 

Pessoas de personalidade forte estão aí para se sobressair às sem personalidade. Enquanto os fracos vivem na escravidão, dominados pelos julgamentos dos sem personalidades, os fortes estão livres. Infelizmente, os fortes não são maioria, mas ainda bem que eles existem. Afinal, num mundo cheio de contradições, só os fortes se vencerão. O mundo é dos fortes.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Curiosidades dos campeões mundiais, na nossa Copa

Chegou a Copa. Depois de sete anos de espera, desde o anúncio de que o Brasil seria a sede até o dia 12 de junho de 2014, agora a bola finalmente vai rolar. Depois de obras prometidas, atrasos, puxões de orelhas da FIFA, protestos, enfim, chegou a nossa Copa. E quem será o campeão? Só saberemos daqui a 31 dias. Apesar de disso, é possível observar um pouco da história e das curiosidades dos campeões mundiais para podermos fazer algumas previsões. Vamos a elas!

Até hoje são oito os países vencedores de Copas. Três sul-americanos: Brasil (5x), Argentina(2x) e Uruguai(2x); e cinco europeus: Itália (4x), Alemanha (3x), Inglaterra(1x), França(1x) e Espanha(1x). Somando tudo, contamos 19 Copas, sendo 10 vencidas pelos europeus e 9 pelos sul-americanos. Se observarmos os locais onde as Copas foram realizadas, veremos 10 na Europa, 7 nas Américas, 1 na Ásia e 1 África. Olha a primeira curiosidade: os europeus tem mais títulos, mas também tiveram mais Copas em casa. Coincidentemente, 10 títulos e 10 Copas em casa.

Por falar em jogar em casa, jogar a Copa no seu próprio continente tem sido determinante para os países campeões. Das dez Copas disputadas na Europa, simplesmente nove foram vencidas pelos europeus. A exceção foi justamente a Copa de 1958, a primeira vencida pelo Brasil. Se lembrarmos que os europeus venceram dez Copas, sendo nove em casa, vemos que apenas uma vez venceram fora da Europa: a exceção foi justamente a última Copa, vencida pela Espanha, na África. Brasil e Espanha, aliás, compartilham a mesma exceção: foram os únicos países a vencerem fora de seu continente: o Brasil venceu na Europa em 1958 e na Ásia em 2002; já a Espanha venceu em 2010, como já dito, na África. Chama a atenção este fato: das dezenove Copas, apenas essas três não foram vencidas por um país do mesmo continente. Em todas as sete Copas realizadas nas Américas (do Norte e do Sul), o campeão sempre foi americano (sul-americano para ser mais preciso): três vezes Brasil (no Chile, no México e nos EUA), duas vezes Argentina (na Argentina e no México) e duas vezes Uruguai (no Uruguai e no Brasil). Jamais os europeus venceram nas Américas.

Se por um lado, Brasil e Espanha podem se orgulhar de serem os únicos a ganharem fora de seu continente, eles também tem mais uma coincidência, desta vez nada agradável: são os únicos campeões mundiais que jamais venceram a Copa realizada no seu país. O Brasil perdeu em casa em 1950 e a Espanha, em 1982. Os demais seis países campeões tiveram o prazer de vencer como país sede: a Itália ganhou em casa 1934, a Alemanha, em 1974; a França, em 1998; a Inglaterra, em 1966; a Argentina, em 1978 e o Uruguai, em 1930.

Se seis dos oito campeões tiveram a honra de ganhar em casa, três destes também tiveram o desprazer de perder em casa, juntamente com Brasil e Espanha. A Alemanha perdeu em 2006, a Itália em 1990 e a França em 1938. Totalizando, assim, cinco campeões mundiais com Copas perdidas em casa. Se o Brasil até hoje sofre com o trauma de 1950, as estatísticas dão um alento: até hoje, todos os campeões mundiais que sediaram duas Copas ganharam uma e perderam uma também (Alemanha, França e Itália). Nenhum campeão mundial ganhou as duas nem perdeu as duas realizadas em casa. Brasil e Espanha, que também perderam em casa, só sediaram a Copa uma vez. Será a vez do Brasil ganhar a sua, na segunda tentativa em casa?

Como se vê, os números são bem favoráveis a sexta conquista brasileira. Em resumo, dentre os campeões mundiais: os europeus só têm ganho na Europa; os sul-americanos levantaram todas as taças disputadas nas Américas; quem jogou duas Copas em casa, ganhou uma delas; e, em apenas três Copas, o campeão não foi do próprio continente, sendo, destas, duas vencidas pelo Brasil.

Os números são esses. Sabemos que estatísticas não entram em campo muito menos decidem o campeão, mas, ao menos, servem como curiosidade ou também para aguçar a mente dos supersticiosos. E no futebol, o que não falta é superstição. Se as estatísticas podem prever alguma coisa, não é improvável pensarmos na final dos sonhos: Brasil x Argentina, no Maracanã. Alguém duvida? Que na nossa Copa, vença o melhor! E que o melhor seja o Brasil!

domingo, 25 de maio de 2014

Pedalar é preciso; facilitar as pedaladas também

A cada dia que passa, sentimo-nos cada vez mais vítimas da mobilidade urbana deficiente de nossas cidades. Vítimas é a palavra correta, pois nossa saúde é que sofre nesta situação: estresse, cansaço, ... e por aí vai. Às vezes me pego pensando o que poderia ser feito para mudar isso. Há pouco mais de um ano, registrei algumas reflexões sobre esse assunto no artigo "A mobilidade urbana no Brasil tem solução?". Nada mudou. Outras vezes comparo as cidades brasileiras com as de outros países e os exemplos de sucesso que lá existem, mas, quando observo a nossa realidade (mercado automobilístico que incentiva a compra de carros, clima tropical, falta de estrutura para transportes alternativos, falta de segurança e educação), praticamente perco as esperanças de melhorarmos a mobilidade.

Esta semana, numa dessas reflexões sobre a mobilidade, resolvi testar uma nova experiência de mobilidade. Sempre fiquei atento aos projetos Porto Leve e Bike PE, que foram implantados na cidade de Recife, há quase dois anos, para incentivar o uso e o compartilhamento de bicicletas como forma de transporte alternativo. Por este sistema, diversas estações são espalhadas pela cidade, de onde os usuários podem retirar bicicletas, fazer deslocamentos pela cidade e devolvê-las em outra estação. É uma ideia legal e sustentável, mas que esbarra em um item estrutural básico da cidade para funcionar perfeitamente: a ausência de ciclovias. No auge de minha inquietude, esta semana, enveredei por testar o sistema pela primeira vez. A aventura está descrita a seguir.

Fiz meu cadastro e retirei uma bike numa das estações do Recife Antigo. Eram por volta das 17h30, horário de trânsito intenso. O destino: Olinda, na estação (desta cidade) mais distante possível do ponto de partida. Comecei o trajeto passando pelas avenidas Cais do Apolo, Norte e Cruz Cabugá. Nestas avenidas, o tráfego lento deixava a bicicleta mais veloz que os carros e, como os carros não andavam, faltava espaço para mim na faixa lateral da via. Por diversas vezes, foi preciso parar na via ou subir na calçada para continuar. Cheguei à primeira conclusão: por incrível que pareça, é melhor para o ciclista trafegar em vias onde o tráfego flui com facilidade que em vias congestionadas, pois consegue-se pegar a faixa lateral com mais facilidade.

Após a Cruz Cabugá, cheguei à Avenida Olinda. É uma avenida larga com trechos de três a seis faixas, porém é um trecho terrível para os motoristas, pois, do Shopping Tacaruna ao bairro do Varadouro, neste horário, perde-se quase 30 minutos para trafegar por apenas 2,5 quilômetros. O começo da Avenida Olinda foi tranquilo, mas, logo depois, o trânsito simplesmente pára e os mesmos problemas dos trechos anteriores se repetiram. Enquanto o tráfego fluía, um novo problema detectado: já era noite e as bicicletas do projeto não possuem luzes indicativas para alertar os motoristas da sua presença na via. Perigo para o ciclista! É uma falha que precisa ser corrigida, pois o sistema de compartilhamento de bicicletas se propõe a funcionar até às 23 horas.

Após chegar ao Varadouro, o tráfego fluiu bem tanto mim e quanto para os motoristas. Por cerca de mais 2 km, ainda foi preciso dividir espaço com os carros, até chegar à ciclovia da Avenida Marcus Freire, a primeira de todo o trajeto. Ali chegava ao verdadeiro "paraíso dos ciclista": uma ciclovia de verdade numa avenida à beira-mar. Após pedaladas velozes e tranquilas, cheguei à última estação, onde tive que devolver a bicicleta, totalizando o percurso de 9 km em 40 minutos. Acredite: um carro, fazendo o mesmo percurso no mesmo horário, levaria bem mais tempo para percorrê-lo. Difícil acreditar, difícil de aceitar, mas é verdade. Uma pena que tinha chegado ao fim. Se existissem outras estações e ciclovias mais adiante, teria ido mais distante e percorrido mais 9 km tranquilamente. O melhor de tudo, ao final, foi a sensação de prazer imensa ao terminar o percurso. Sensação, esta, que não lembro nunca ter sentido ao dirigir. Afinal, estava divertindo-me pedalando e não sofrendo com o trânsito de costume.

Esta experiência posso chamar de uma aventura. Dela, algumas conclusões e constatações podem ser obtidas:
  • É duro viver numa cidade (ou região metropolitana) onde um carro trafega mais lentamente que uma bicicleta.
  • É preciso incentivar o uso de bicicletas para diminuir a quantidade de carros nas ruas e proporcionar melhor qualidade de vida.
  • O aumento no uso de bicicletas só será possível com infraestrutura adequada. Não dá para esperar que muita gente sinta-se confortável ou segura ao pedalar dividindo o mesmo espaço com carros. Cadê as ciclovias, governantes?!
  • O projeto de compartilhamento público de bicicletas do Recife merece aplausos, mas precisa de ajustes e mais apoio. Bicicletas melhores, com luzes indicativas para uso noturno e capacetes proporcionam mais segurança. Mais estações periféricas permitiriam trajetos maiores.
Vale lembrar também que os projetos Porto Leve e Bike PE são apenas motivadores, afinal muitos podem usar próprias bicicletas. Apesar de carecerem de melhorias, o mais importante a ser feito depende de ações que estão além destes projetos. São precisas ações que dependem tanto dos governantes quanto das empresas e repartições e também da própria população.

Dos governantes, esperam-se melhorias urbanas, não apenas com mais ciclovias, mas também, por exemplo, com a construção de bicicletários, afinal, onde estacionar as "magrelas" ao chegar ao destino? Aliás, em ano de eleição, como este de 2014, quantos candidatos estão propondo projetos deste tipo? Lembremos disso. Das empresas, repartições e prédios públicos, espera-se estruturas que facilitem a vida do ciclista. Por exemplo, estes dispõem de chuveiro ou dispõe de armários? O funcionário ou visitante que se propor a se deslocar de bicicleta, especialmente em cidades de clima quente, precisará tomar um bom banho ao chegar ao destino, não é mesmo? Já da população, especialmente dos motoristas, espera-se mais respeito aos ciclistas. Muitos desconhecem (ou desrespeitam mesmo) o Código de Trânsito Brasileiro, que diz que o ciclista, no bordo direito da pista, tem prioridade, e costumam buzinar ou não manter a distância de segurança. Falta educação.

Enfim, após essa experiência, continuo descrente com a solução para os problemas de mobilidade urbana no Brasil e vejo que o panorama pouco mudará nos próximos anos. Porém, saio convencido de que pequenas ações, como o incentivo aos deslocamentos sem carro, em especial, com o uso de bicicletas são viáveis e ajudam, pelo menos, a amenizar o caos nos deslocamentos urbanos.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Eu também já fui babaca

A crônica esportiva nacional tem destacado a demonstração de racismo sofrida pelo jogador Tinga, do Cruzeiro, na partida válida pela Copa Libertadores de 2014. A torcida do time peruano, Real Garcilaso, fazia gritos de macaco, sempre que o jogador Tinga, negro, tocava na bola. Foi assim durante boa parte do jogo. O ocorrido repercutiu nas redes sociais, onde famosos e anônimos desaprovaram a atitude e manisfestaram apoio ao jogador. Todas as pessoas de bem devem ter ficado chateadas. Imediatamente, lembrei de um fato semelhante ocorrido há mais de dez anos. 

Era o ano de 2002. Náutico x Santa Cruz decidiam o primeiro turno do Campeonato Pernambucano, no estádio dos Aflitos. Naquela noite de quarta-feira, lá estava eu com alguns amigos presentes no estádio. Com os times já em campo, o goleiro Nilson, do Santa Cruz, fazia o seu aquecimento no gol próximo à torcida do Náutico. Nilson era negro e um pouco falastrão. Por este último motivo, caiu logo na "desgraça" com a torcida alvirrubra. Sempre que Nilson pegava na bola, começavam os gritos: "Niiiiilsoooon, Macaaaaco". E durante a partida, os gritos ouvidos eram: "Hu-hu-hu-hu" (imitação de um macaco). Foi assim durante todo o jogo. A torcida em coro com gritos racistas. Eu e meus amigos também participávamos daquele crime.

É, de certa forma, verdade, que os gritos eram muito mais uma provocação a um jogador adversário que um manifestação de racismo. Sim, pois existiam jogadores negros nos dois times. Mas é igualmente verdade que era uma provocação de mal gosto. O goleiro Nilson, sentindo-se humilhado, chegou a abrir um processo contra a torcida por racismo, mas quem iria ser efetivamente punido no meio de tanta gente? Agora vejam como o mundo dá voltas: dois anos depois, Nilson foi contratado pelo Náutico, tornou-se ídolo da torcida e foi campeão pernambucano em 2004. Naquele ano, Nilson só ouvia seu nome ser exaltado pela mesma torcida que tanto o humilhara.

Fica claro que os gritos e as comparações com macaco eram uma provocação a um adversário. Mas era uma provocação humilhante. Racista, sim, pois era possível provocar de outra forma. Com aquele ato, inocente ou conscientemente, estávamos todos transformando o que poderia ser apenas uma festa em um palco onde exaltávamos uma das piores maldades humanas: o preconceito de cor. Sendo bem direto: um comportamento babaca. Naquele ano de 2002, eu era um daqueles babacas.

Mais de dez anos passados e relembrando o fato, fico imaginando como pude participar daquilo. Hoje, minha indignação com o que a torcida peruana fez com o jogador Tinga é proporcional ao tamanho do arrependimento por ter tido, um dia, comportamento semelhante. Felizmente, amadureci o suficiente para reconhecer um erro inconsequente, cometido na juventude, e também amadureci o suficiente para me indignar com tal tipo de comportamento nos dias atuais. Em pleno 2014, a sociedade repete um mal comportamento que a acompanha desde o passado. A babaquice sobrevive ao longo do tempo. Felizmente, babaca não sou mais. Que os bacacas atuais, também não sejam jamais.

sábado, 11 de janeiro de 2014

O "eleitor-torcedor" danoso à sociedade

2014 chegou e, com ele, dois eventos que tendem a dominar os debates durante o ano todo: Copa do Mundo e Eleições. A Copa é o evento máximo do futebol, assunto que é debatido com muita emoção e pouca ou nenhuma razão. Já as eleições, o evento máximo da política, são o assunto a ser debatido com racionalidade e pouca emoção. Pelo menos deveria ser. Na prática, o que muita gente parece fazer é tratar a política e futebol da mesma forma.

Gostaria de poder discutir política de forma imparcial e racional. Participar de uma mesa de debates onde os participantes discutissem as propostas dos candidatos, com seus pontos positivos e negativos. Gostaria que essa mesa discutisse os acertos e erros dos governos passados e dos governos atuais, com opiniões fundamentadas em fatos e não apenas baseada em quem ocupavam os cargos. Gostaria que fosse debatido o que melhorou, o que piorou, porque melhorou e porque piorou e não ouvir coisas do tipo "com este partido no governo, tudo melhorou" ou "com aquele, tudo piorou". Em outras palavras, gostaria que a política fosse debatida com seriedade, como realmente deve ser.

Muitas pessoas parecem tratar a política cada vez mais como futebol. Primeiramente, escolhem um partido (um time) e passam a torcer por ele. Falam maravilhas do seu partido, defendem tudo que seus membros (os jogadores) fazem e falam mal do partido rival (time rival). Para estas pessoas, tudo de ruim que ocorre no país é culpa do partido rival. Para eles, tudo piorou, só houve corrupção e todos eram mal intencionados. Tais pessoas são incapazes de reconhecer qualquer acerto de um governo anteriormente administrado por um partido rival. É como se sentissem vergonha de elogiar uma medida ou ação de um governante em quem não votou ou não simpatize (no futebol, seria como parabenizar um gol do rival).

As redes sociais estão cheias de exemplos de pessoas que agem assim. Para só pegar um exemplo, vejam o comportamento de algumas pessoas nas redes sociais em relação ao partido que hoje governa o país, o PT. Os "a favor" publicam (e elogiam) as medidas do governo, só falam mal do governo anterior do partido "contrário", exibem dados que mostram o crescimento atual do país em algumas áreas, mas nada falam onde o governo vai mal. Pelo contrário, onde vai mal, procuram sempre um lado positivo para defender o partido e justificar o injustificável. Por outro lado, suas críticas são direcionadas somente à administração passada. Os "anti-petistas" fazem o mesmo. São incapazes de comentar onde o país melhorou, não fazem elogios a nenhuma medida ou ação do governo atual reconhecidamente eficazes, mas não deixam passar em branco nenhum erro do governo. Qualquer ação é vista com maus olhos e comentários ácidos. Fecham os olhos para os acertos e gritam bem alto todos os erros. Chegam ao ponto de generalizar e falar inverdades com expressões do tipo "governo desastroso", "pior da história", "piorou o país em todos os setores".

Óbvio que o país melhorou muito nas duas últimas décadas e muito se deve a ações de vários governos. Bons frutos foram plantados nos governos passados e no atual, da mesma forma que muitas sementes podres também foram usadas com resultados desastrosos. Mas tem muita gente mais preocupada em briga de partidos que com suas ações. No fim das contas, todos se parecem torcedores de times futebol: "o meu time é melhor", "o seu time é pior", "o juíz roubou para seu time", "o jogador do meu time é craque", "o seu time teve sorte", "meu jogador fez falta, mas não merecia o cartão vermelho",... Como seria bom se a política fosse discutida com mais responsabilidade. Não é vergonhoso ser imparcial. Não é vergonhoso votar em um candidato e depois criticar seu governo, como também não é vergonhoso elogiar o governo de um candidato a quem você criticava antes da eleição. O comportamento do "eleitor-torcedor" é danoso para a democracia, pois, quando alguém se comporta desta forma, mascara a realidade e influencia outras pessoas a enxergá-la desta forma distorcida. Deixemos nossa paixão somente no futebol. Política é razão. Sejamos cidadãos mais responsáveis. Todos nós teremos a ganhar. Pensemos nisso!

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

O drama nosso de cada dia na TV

A programação da TV aberta brasileira mudou bastante. Cada vez mais em busca de audiência, não é novidade para ninguém que as grandes emissoras procuram colocar no ar aquilo que as pessoas queiram ver, não importando a qualidade do conteúdo. O importante é prender o telespectador na frente da telinha. Foram anos de experiências e diversos temas foram testados até que parecem ter chegado à formula definitiva para seu sucesso: a exploração do drama pessoal.

Quem tem pelo menos trinta anos deve lembrar de alguns tipos de programas que existiam há anos atrás e que agora desapareceram ou são raros atualmente. Programas de perguntas e respostas, gincanas, show de calouros, paradas de sucesso musical, programas infantis, programas de entrevista, documentários, dentre outros, sumiram e os que sobraram, hoje, são contados a dedo. Em sentido contrário, proliferaram os programas cujo tema principal é contar uma história dramática de algum anônimo ou famoso da última semana. O objetivo é claro: prender a atenção dos telespectadores através da exploração de um momento de dificuldade ou dor do envolvido. Aí proliferam programas inteiros ou alguns quadros de programas como aqueles em que o "bondoso" apresentador reforma a casa ou o carro velho do cidadão, como aquele quadro que explora a saudade da terra natal um de retirante nordestino em São Paulo ou aqueles programas que buscam ser os primeiros a entrevistar a família de uma vítima de uma tragédia que tenha causado forte comoção nacional.

Essa tendência da exploração do drama alheio não é novidade, mas chamou ainda mais a atenção na última exibição do programa Fantástico do ano de 2013. O programa já começou com as imagens fortes da fratura da perna do lutador Anderson Silva, drama que foi exaustivamente explorado no programa. Neste caso específico, ainda é possível perdoar um pouco o programa, pois este era um dos assuntos mais comentados do dia. Mas, em seguida, vieram as outras reportagens e o perdão terminou ali.

O programa mostrou uma reportagem com o cantor San Alves, que havia vencido o programa The Voice Brasil três dias antes. O programa mostrou a repercussão de sua vitória no estado natal, mostrou seus novos fãs, etc. Mas faltava o momento dramático. Então, o programa revelou que o cantor fora abandonado pela mãe biológica nos primeiros dias de vida e explorou este tema durante boa parte da reportagem. O fato pessoal não tinha relação com o programa, mas era preciso fazer o país se comover com mais este drama.

Em seguida, uma reportagem que tinha tudo para ser alegre. Uma entrevista com uma das jogadoras da seleção brasileira de handebol, que havia sido campeã mundial na semana anterior. A reportagem poderia mostrar a trajetória da equipe, as vitórias, a festa do título, mas era preciso mostrar o drama. Então, o que dominou a reportagem foi a revelação de que a referida jogadora, poucos anos antes, havia sofrido um AVC. Era para ser uma entrevista sobre o título, mas era preciso comover o país com mais este drama.

A próxima reportagem era a exploração do drama propriamente dito. O programa lembrava que, nos próximos meses, o incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, iria completar um ano. Entrevistas com familiares das vítimas se seguiam e a exploração da dor alheia a torto e a direito.

Para completar a noite, duas entrevistas. A primeira, com um fotógrafo brasileiro para contar sua experiência em um país devastado por uma guerra civil. O objetivo: mostrar o que ele sentiu ao ver mortes de inocentes, conflitos com a polícia, etc. E a outra entrevista, com um casal que perdeu os filhos na tragédia das enchentes na baixada fluminense, há alguns anos, e que agora se tornava pai de trigêmeos. Para não dizer que o programa foi só tragédia, no final teve ainda o momento mais light com o quadro de humor de Marcelo Adnet e os peladeiros do Bola Cheia e Bola Murcha.

Como se percebeu, o último Fantástico do ano foi repleto de "emoções" ou, como cabe melhor dizer, "exploração do drama alheio" ou "exploração midiática de tragédias". Esta edição do programa foi tomada como exemplo do que a TV aberta se tornou. Emocionar o público com histórias "comoventes" foi a grande sacada da produção do programa. É fácil perceber que esta fórmula se repete em vários outros programas e que drama é o tema recorrente. Nada educativo, nada construtivo, nada divertido. Infelizmente, as TVs perceberam que o povo gosta disso. Elas, sabiamente, apenas exploram o que vai lhes trazer audiência. Que venha a próxima tragédia!