quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Eu também já fui babaca

A crônica esportiva nacional tem destacado a demonstração de racismo sofrida pelo jogador Tinga, do Cruzeiro, na partida válida pela Copa Libertadores de 2014. A torcida do time peruano, Real Garcilaso, fazia gritos de macaco, sempre que o jogador Tinga, negro, tocava na bola. Foi assim durante boa parte do jogo. O ocorrido repercutiu nas redes sociais, onde famosos e anônimos desaprovaram a atitude e manisfestaram apoio ao jogador. Todas as pessoas de bem devem ter ficado chateadas. Imediatamente, lembrei de um fato semelhante ocorrido há mais de dez anos. 

Era o ano de 2002. Náutico x Santa Cruz decidiam o primeiro turno do Campeonato Pernambucano, no estádio dos Aflitos. Naquela noite de quarta-feira, lá estava eu com alguns amigos presentes no estádio. Com os times já em campo, o goleiro Nilson, do Santa Cruz, fazia o seu aquecimento no gol próximo à torcida do Náutico. Nilson era negro e um pouco falastrão. Por este último motivo, caiu logo na "desgraça" com a torcida alvirrubra. Sempre que Nilson pegava na bola, começavam os gritos: "Niiiiilsoooon, Macaaaaco". E durante a partida, os gritos ouvidos eram: "Hu-hu-hu-hu" (imitação de um macaco). Foi assim durante todo o jogo. A torcida em coro com gritos racistas. Eu e meus amigos também participávamos daquele crime.

É, de certa forma, verdade, que os gritos eram muito mais uma provocação a um jogador adversário que um manifestação de racismo. Sim, pois existiam jogadores negros nos dois times. Mas é igualmente verdade que era uma provocação de mal gosto. O goleiro Nilson, sentindo-se humilhado, chegou a abrir um processo contra a torcida por racismo, mas quem iria ser efetivamente punido no meio de tanta gente? Agora vejam como o mundo dá voltas: dois anos depois, Nilson foi contratado pelo Náutico, tornou-se ídolo da torcida e foi campeão pernambucano em 2004. Naquele ano, Nilson só ouvia seu nome ser exaltado pela mesma torcida que tanto o humilhara.

Fica claro que os gritos e as comparações com macaco eram uma provocação a um adversário. Mas era uma provocação humilhante. Racista, sim, pois era possível provocar de outra forma. Com aquele ato, inocente ou conscientemente, estávamos todos transformando o que poderia ser apenas uma festa em um palco onde exaltávamos uma das piores maldades humanas: o preconceito de cor. Sendo bem direto: um comportamento babaca. Naquele ano de 2002, eu era um daqueles babacas.

Mais de dez anos passados e relembrando o fato, fico imaginando como pude participar daquilo. Hoje, minha indignação com o que a torcida peruana fez com o jogador Tinga é proporcional ao tamanho do arrependimento por ter tido, um dia, comportamento semelhante. Felizmente, amadureci o suficiente para reconhecer um erro inconsequente, cometido na juventude, e também amadureci o suficiente para me indignar com tal tipo de comportamento nos dias atuais. Em pleno 2014, a sociedade repete um mal comportamento que a acompanha desde o passado. A babaquice sobrevive ao longo do tempo. Felizmente, babaca não sou mais. Que os bacacas atuais, também não sejam jamais.

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