A programação da TV aberta brasileira mudou bastante. Cada vez mais em busca de audiência, não é novidade para ninguém que as grandes emissoras procuram colocar no ar aquilo que as pessoas queiram ver, não importando a qualidade do conteúdo. O importante é prender o telespectador na frente da telinha. Foram anos de experiências e diversos temas foram testados até que parecem ter chegado à formula definitiva para seu sucesso: a exploração do drama pessoal.
Quem tem pelo menos trinta anos deve lembrar de alguns tipos de programas que existiam há anos atrás e que agora desapareceram ou são raros atualmente. Programas de perguntas e respostas, gincanas, show de calouros, paradas de sucesso musical, programas infantis, programas de entrevista, documentários, dentre outros, sumiram e os que sobraram, hoje, são contados a dedo. Em sentido contrário, proliferaram os programas cujo tema principal é contar uma história dramática de algum anônimo ou famoso da última semana. O objetivo é claro: prender a atenção dos telespectadores através da exploração de um momento de dificuldade ou dor do envolvido. Aí proliferam programas inteiros ou alguns quadros de programas como aqueles em que o "bondoso" apresentador reforma a casa ou o carro velho do cidadão, como aquele quadro que explora a saudade da terra natal um de retirante nordestino em São Paulo ou aqueles programas que buscam ser os primeiros a entrevistar a família de uma vítima de uma tragédia que tenha causado forte comoção nacional.
Essa tendência da exploração do drama alheio não é novidade, mas chamou ainda mais a atenção na última exibição do programa Fantástico do ano de 2013. O programa já começou com as imagens fortes da fratura da perna do lutador Anderson Silva, drama que foi exaustivamente explorado no programa. Neste caso específico, ainda é possível perdoar um pouco o programa, pois este era um dos assuntos mais comentados do dia. Mas, em seguida, vieram as outras reportagens e o perdão terminou ali.
O programa mostrou uma reportagem com o cantor San Alves, que havia vencido o programa The Voice Brasil três dias antes. O programa mostrou a repercussão de sua vitória no estado natal, mostrou seus novos fãs, etc. Mas faltava o momento dramático. Então, o programa revelou que o cantor fora abandonado pela mãe biológica nos primeiros dias de vida e explorou este tema durante boa parte da reportagem. O fato pessoal não tinha relação com o programa, mas era preciso fazer o país se comover com mais este drama.
Em seguida, uma reportagem que tinha tudo para ser alegre. Uma entrevista com uma das jogadoras da seleção brasileira de handebol, que havia sido campeã mundial na semana anterior. A reportagem poderia mostrar a trajetória da equipe, as vitórias, a festa do título, mas era preciso mostrar o drama. Então, o que dominou a reportagem foi a revelação de que a referida jogadora, poucos anos antes, havia sofrido um AVC. Era para ser uma entrevista sobre o título, mas era preciso comover o país com mais este drama.
A próxima reportagem era a exploração do drama propriamente dito. O programa lembrava que, nos próximos meses, o incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, iria completar um ano. Entrevistas com familiares das vítimas se seguiam e a exploração da dor alheia a torto e a direito.
Para completar a noite, duas entrevistas. A primeira, com um fotógrafo brasileiro para contar sua experiência em um país devastado por uma guerra civil. O objetivo: mostrar o que ele sentiu ao ver mortes de inocentes, conflitos com a polícia, etc. E a outra entrevista, com um casal que perdeu os filhos na tragédia das enchentes na baixada fluminense, há alguns anos, e que agora se tornava pai de trigêmeos. Para não dizer que o programa foi só tragédia, no final teve ainda o momento mais light com o quadro de humor de Marcelo Adnet e os peladeiros do Bola Cheia e Bola Murcha.
Como se percebeu, o último Fantástico do ano foi repleto de "emoções" ou, como cabe melhor dizer, "exploração do drama alheio" ou "exploração midiática de tragédias". Esta edição do programa foi tomada como exemplo do que a TV aberta se tornou. Emocionar o público com histórias "comoventes" foi a grande sacada da produção do programa. É fácil perceber que esta fórmula se repete em vários outros programas e que drama é o tema recorrente. Nada educativo, nada construtivo, nada divertido. Infelizmente, as TVs perceberam que o povo gosta disso. Elas, sabiamente, apenas exploram o que vai lhes trazer audiência. Que venha a próxima tragédia!
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