quinta-feira, 26 de março de 2015

Um copiloto pode estar no caminho

"Viver é uma arte, é um ofício, mas é preciso cuidado...", já dizia a música. Passamos a vida toda cercados pelo perigo e por diversas incertezas. Temos medo de sofrer, temos medo de nos machucarmos, temos medo de ficarmos sós, temos medo de passarmos fome, temos medo de adoecer, temos medo de sermos roubados, temos medo de morrer. E por causa dos riscos que ela oferece, passamos a viver constantemente tomando precauções. Tantas precauções para podermos viver que, muitas vezes, deixamos "de viver".

Evitamos sair à rua para não sermos assaltados e, assim, ficamos trancados em casa. Evitamos comidas gordurosas para não entupir nossas artérias e, assim, comemos o que não nos dá prazer. Evitamos fazer aquela pergunta ao professor para não passar vergonha de uma pergunta boba e, assim, ficamos com a dúvida mal esclarecida. Evitamos brincar na chuva para não ficarmos gripados e, assim, deixamos de aproveitar uma das melhores coisas da vida. Evitamos pedalar na pista para não sermos atropelados por um carro, assim, ficamos presos no trânsito ou dentro de um ônibus lotado. Evitamos passear na véspera de uma prova para ficar estudando de última hora e, assim, nem aprendemos direito nem curtimos o passeio. Resolvemos poupar dinheiro hoje para termos tranquilidade no futuro e, assim, nem aproveitamos o dinheiro hoje e nem sabemos se aproveitaremos no futuro. Evitamos revelar nosso amor para não sofrermos a decepção de uma rejeição e, assim, ficamos sem a chance de amar.

Enfim, passamos a vida com medo, evitando aquilo que pode nos fazer sofrer e perdemos a chance de aproveitar o melhor da vida. Tanta precaução, tanta preocupação, tantos cuidados, tanto investimento no futuro... no futuro... Aquele futuro que, muitas vezes, pode não chegar. Como não chegou para aquelas mais de 150 vidas que foram bruscamente interrompidas por um copiloto que resolveu derrubar o avião.




sexta-feira, 20 de março de 2015

A geração sem arranhão

Depois que você tem filhos, é inevitável não comparar a infância que você teve com a que tem proporcionado a eles. Sempre pensamos em resgatar aquilo que melhor aconteceu na nossa para possibilitar o mesmo aos nossos pequenos. Lembramos também o que de ruim aconteceu e tentamos eliminar estas experiências desagradáveis do crescimento dos nossos filhos. Enfim, baseamo-nos em nossa experiência para tornar a infância deles a melhor possível.

Quando lembramos da nossa infância, umas das primeiras lembranças são nossas brincadeiras com os amigos e nossos brinquedos. As brincadeiras com amigos eram muitas. Tinha polícia e ladrão, esconde-esconde e bola de gude. Tinham os jogos de queimado, futebol e vôlei. Tinha também tacobol, ping-pong, pular corda. Jogávamos vídeo-game (mas só quando a TV estava disponível). Juntávamos os amigos para brincar com os nossos brinquedos. Fazíamos campeonato de futebol de botão. Tinham também as travessuras: subir no muro, jogar pedra na casa da vizinha, colocar rojão na caixa do correio, apertar a cigarra do vizinho e sair correndo. A gente brincava muito, se sujava todo, rasgava a camisa no espinheiro ou rasgava quando um amigo a puxava numa ou noutra brincadeira. A gente corria, caía, se arranhava todo, pisava em prego, pisava em vidro. Brincávamos, nos machucávamos e éramos felizes.

Hoje nossos filhos também têm seus amiguinhos. Também têm seus brinquedos. Nossos filhos também se divertem, também são felizes, mas... mas..., mas de forma diferente. Nasceram e estão crescendo na geração do computador, do celular e dos jogos eletrônicos. Passam horas em frente a uma telinha, e, assim, percebemos nossos filhos divertindo-se de forma mais solitária e mais sedentária. Se, no passado, nossos pais se preocupavam em saber com quem nós estávamos brincando para não nos juntarmos com "pessoas ruins", hoje, nossos filhos brincam muito mais vezes sozinhos. Se antes a gente "ostentava" nossos machucados e arranhões, hoje, diante dos jogos eletrônicos, nossos filhos estão ficando intactos, sem marcas no corpo e até bem mais pesadinhos. Muitas vezes vemos um grupo de crianças reunidas e, de repente, aquela cena mais comum hoje em dia: uma criança ao lado da outra, todas sentadinhas e cada uma jogando com seu celular. Um silêêêêêêêncio! Bem diferente daquela baderna, daquela confusão, que enlouquecia nossos pais quando éramos crianças. Aquela baderna que, hoje, como pais, gostaríamos de ver.

É. Os tempos são outros. É difícil aceitar ou entender esta nova infância da "geração sem arranhão", ainda mais quando lembramos com tanta nostalgia da nossa. Fica uma estranha sensação de que estamos falhando na construção da infância que sonhamos para nossos filhos. Mais estranha ainda porque fica a dúvida: será que estamos realmente falhando ou será que não há nada de errado e nós é que temos dificuldade em aceitar os novos tempos? Em outras palavras, existe algo realmente errado com esta nova geração ou nós que estamos presos num passado que já não existe mais? Na dúvida, vamos viver o momento e aprender com ele. No futuro teremos a resposta.