domingo, 4 de novembro de 2012

A mobilidade urbana no Brasil tem solução?


Em todas as grandes cidades do Brasil, um problema comum é o da mobilidade urbana. Congestionamentos e a má qualidade do transporte público são as principais queixas da população. A maioria das prefeituras, e até governos estaduais, têm proposto alargamento de ruas e avenidas, corredores exclusivos para ônibus, expansão das linhas de metrô, monotrilho, bilhetagem eletrônica, dentre outros. A verdade é que tudo isso que tem sido proposto serve apenas de paliativo. Na prática, não resolverá os problemas, pois suas causas não se restringem apenas a questões de infra-estrutura. Vão muito além disso e envolvem hábitos comportamentais e econômicos.

Primeiramente, observemos que a maior parte dos sistemas de transporte público é formado por ônibus coletivos. Normalmente este serviço é terceirizado, através de concessão, a empresas particulares, que devem explorar o serviço de transporte para aferir lucro próprio e garantir um padrão de qualidade aceitável. Aí já reside um antagonismo: o lucro versus a qualidade. De forma geral, ao melhorar a qualidade, diminui-se o lucro. Ora, a população espera que os ônibus não demorem a passar nas paradas e que não estejam lotados. Mas diminuir o tempo e a lotação entre cada viagem implica em colocar mais ônibus nas linhas, ou seja, diminuir o lucro. Em outras palavras, do ponto de vista das empresas, quanto mais pessoas forem transportadas em menos viagens de ônibus, maior será seus lucros. Isto é, ônibus vazio é sinônimo de prejuízo. Logo, a terceirização e a falta de concorrência caminham em sentido contrário ao da melhoria do serviço oferecido à população.

Além da lotação e da demora, que são o que mais afetam a população, um outro fator piora a qualidade do transporte e traz prejuízo tanto para a população quanto para empresas: os congestionamentos. Devido a isso, o deslocamento urbano se torna cada vez mais lento. Sofre a população, que perde muito tempo para chegar a um destino e, com isso, até deixa de deslocar-se mais frequentemente, sofrem também as empresas, que diminuem seus lucros devido à demanda reprimida (mais pessoas querendo, mas sem poder se deslocar) e ao aumento de gastos (combustível, peças, ...). E tendo menos lucros, resta às empresas diminuir a qualidade ou aumentar as tarifas. Começa aí um claro ciclo vicioso: menos lucro implica em menor qualidade, que implica em mais pessoas evitando os ônibus, o que traz menos lucro e recomeça o ciclo.

Mas então quer dizer que diminuir os congestionamentos seria a solução? Então as propostas de vários governantes de alargar avenidas e criar corredores exclusivos de ônibus irão resolver o problema? Sim, a solução passa por resolver os problemas de congestionamentos, mas as propostas apresentadas pelos governantes não atacam o coração do problema, apenas amenizam seus efeitos. É preciso muito mais do que corredores exclusivos, alargamentos de ruas ou abertura de novas avenidas. A raiz do problema reside fora do sistema de transporte, no modo de vida que a sociedade busca. É o modelo consumista representado pelo automóvel. Este é o maior vilão.

A sociedade prega que as pessoas trabalhem para melhorar de vida. Neste caso, melhorar de vida é quase sempre representado por adquirir bens. E um dos bens mais desejados é o carro. O bendito carro. Bastam apenas três carros enfileirados para ocupar, nas ruas, o mesmo espaço de um único ônibus. Sendo que três carros populares levam no máximo quinze pessoas, enquanto que um ônibus leva sessenta pessoas. Na prática é bem pior, pois os carros quase nunca estão cheios. Estudos apontam que três carros costumam levar, em média, de quatro a sete pessoas. Então são de quatro a sete pessoas ocupando o mesmo espaço nas ruas que um ônibus com sessenta. Como os congestionamentos são formados em sua maioria por carros, fica evidente como utilizamos mal esse espaço. Desperdiçamos muito espaço. Mas quem vai preferir abandonar o carro e utilizar o transporte público? Entra aí mais um componente que aumenta o ciclo vicioso. O transporte é ruim, então mais gente usa o carro. Com mais gente usando carros, maiores os congestionamentos. Com maiores congestionamentos, menores os lucros das empresas de transporte. Com menores lucros, pior a qualidade. Com menos qualidade, mais gente prefere o carro e maior o congestionamento. É preciso quebrar esse ciclo. Mais uma vez, não adiantam apenas obras de infra-estrutura para dar mais velocidade ao trânsito. A quantidade de carros que entram no sistema é superior à capacidade de investimento em infra-estrutura.

Pronto, parece que já descobrimos onde reside o problema. É só dar um jeito de frear o uso dos carros, certo? Sim, é. E até parece fácil, só que não é. Além de envolver uma grande e difícil mudança cultural, seria preciso criar condições para esta mudança. Precisaria haver algum incentivo para que as pessoas diminuam a dependência do carro, seja esse incentivo através da melhora do transporte público ou mesmo através de medidas restritivas a sua utilização (rodízio?, pedágio?... não sei!). No entanto, só a melhora do transporte público já se torna difícil por se encontrar no meio do ciclo vicioso descrito anteriormente, e as medidas restritivas, além de serem "impopulares", ainda batem de frente com a questão econômica: a indústria automobilística. Esta é uma das mais lucrativas, que mais empregam e que mais crescem no país. É tão importante que, quando uma crise atinge esta indústria, o governo imediatamente toma medidas para protegê-la e alavancar as vendas (vide redução do IPI). Então como mudar o hábito das pessoas, se o próprio governo incentiva o consumo cada vez maior dos carros?

O problema da mobilidade urbana no país é muito mais complexo do que parece. Muitas variáveis estão envolvidas na questão: economia, cultura, infra-estrutura, falta de investimento, monopólio do transporte público... Nem mesmo as vindas de uma Copa do Mundo e de uma Olimpíada para o país foram capazes de forçar o país a tomar medidas capazes de garantir uma mobilidade urbana no mínimo aceitável. O certo é que a solução, se existe para o Brasil, está muito, muito, muito distante e o problema só tende a piorar.

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