Mais uma grande manifestação de rua se aproxima. Mais uma vez, o povo vai às ruas, convocado por movimentos pró-impeachment, para protestar contra a corrupção e dizer "basta". Muitos estão eufóricos com o ato em si e com a possibilidade de mais um impeachment de presidente desta República. As questões que ficam são: O que ganharíamos de verdade com isso? Impeachment muda algo na estrutura corrupta do país? O foco das manifestações deveria ser a favor de um impeachment ou de uma reforma legislativa e política mais ampla que dificultasse a corrupção?
Chegar a respostas para estas questões exige uma grande reflexão e longos debates. Enquanto não conseguimos, o que mais preocupa são outros dois aspectos. Um deles é o cenário de "fundo de poço" a que nossa política chegou. O outro é a forma meio irresponsável com que o cidadão brasileiro contemporâneo tem tratado as questões políticas. Vamos detalhar esses dois aspectos.
Primeiramente, vamos ao cenário político atual. Parece óbvio, mas não conseguimos mais enxergar coisas básicas na nossa política do tipo: o executivo deve governar para o interesse público, o legislativo deve aprovar leis para o bem da população e o judiciário deve julgar os que cometem infrações à lei e a ordem. Isso, de forma grosseira, resume a política. Mas, ao abrirmos um jornal, no seu caderno de política, podemos contar muito mais ocorrências das palavras "propina", "aliança", "delação", "cadeia", "Polícia Federal", "Ministério Público", "denúncia", "arquivamento", "esquema" e "corrupção" (palavras muito ligadas ao caderno policial), que de palavras como "projeto", "proposta", "investimento", "aprovação", "inauguração", palavras estas, sim, que são relacionadas ao tema política.
O noticiário político, atualmente, tornou-se uma novela onde os personagens, em sua quase totalidade, estão envolvidos em todo tipo de esquema e conchavos com o intuito apenas de brigar por poder. Vale para quem está na situação. Vale para quem está na oposição. Observamos apenas ações que visam benefício próprio ou benefício de seu grupo político. É político mudando de partido. É político mudando de discurso. É político se aliando a pessoas que até um ano atrás parecia "inimigo mortal". Não vemos mais um projeto político, nem mesmo alguma personalidade política em quem possamos dizer: "este me representa" ou "por este boto a mão no fogo". A decepção do cidadão é maior ainda quando vemos que os últimos políticos que pareciam ser estes "políticos diferenciados", cheios de admiradores, quando chegaram ao poder, se mostraram exatamente iguais aos políticos comuns, cometendo os mesmos crimes e atuando sempre em benefício próprio ou de seu partido. Em resumo, vemos um cenário onde os partidos mudam apenas de situação para oposição e vice-versa, mas não há mudança alguma. Os esquemas maléficos apenas trocam de mãos.
O segundo aspecto preocupante, é o comportamento do cidadão diante de toda essa situação política. É incrível a quantidade de pessoas que enxerga a política com emoção. Emoção mesmo, praticamente amor por partidos e políticos. Emoção que chega a cegar para aspectos importantes. Enquanto a PF investiga o político "idolatrado", seus seguidores não se preocupam com seus (possíveis) crimes. Eles preferem questionar "Mas por que só ele é denunciado e não aquele?", "Essa investigação é tendenciosa, é golpe!", etc. Esses cidadãos acabam se comportando como torcedores de times de futebol. São levados pela paixão. Não se pode mexer com seus ídolos (investigar, prender parece uma afronta). Os possíveis crimes, para eles, parecem coisa boba, coisa permitida. É a política vista com emoção, sem qualquer razão.
Da mesma forma que existem os "torcedores de partido", existem os antagonistas. Estes nutrem um ódio por um determinado partido. Para estas pessoas, todos os problemas do país parecem que estão representados num determinado partido. Quando este partido está governando, então, tudo que ele fizer é visto como ruim. Não há um julgamento imparcial. No fim das contas, não são julgadas as ações, mas, sim, quem fez a ação. Em outras palavras, tais pessoas são incapazes de diferenciar as ações boas e ruins de um governo. Para elas, por ódio ao partido governante, tudo que ele fez é ruim. Dessa forma, a discussão política se torna uma disputa chata de "petralhas" versus "coxinhas", onde as pessoas escolhem um lado e passam a defendê-lo com todo vigor, ao mesmo tempo que passam a questionar e criticar o lado contrário.
Não deveria ser assim. Não deveríamos ter lado. Nosso lado deve ser com o interesse da população. Deveríamos votar em quem acreditamos e avaliá-los criticamente após eleitos, apontando seus acertos e seus erros. O que vemos são as pessoas que "torcem para partido" defenderem absolutamente todas as suas ações e, os que os odeiam, reclamarem de tudo. Não é vergonhoso votar em alguém e mudar de opinião da eleição seguinte. "Virar a casaca" só é feio no futebol.
Por causa de tudo isso, não é impeachment e não são as manifestações de ruas o que realmente preocupam. Estes não parecem que serão capazes de mudar alguma coisa. O que mais preocupa é o cenário político totalmente contaminado pela corrupção e o comportamento do cidadão diante de tudo isso. Estes parecem fazer muito mais estrago que as consequências de um possível impeachment. É como se um impeachment não abalasse em nada as estruturas desta política nefasta.
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