quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Os royalties da discórdia


O Brasil extrai petróleo do fundo do mar há vários anos, mas, desde a descoberta dos grandes poços na camada pré-sal, uma palavrinha começou a se tornar comum aos nossos ouvidos: royalty.

Royalty é uma palavra inglesa derivada da palavra "royal", que significa "aquilo que pertence ou é relativo ao rei, monarca ou nobre". Na antiguidade, royalties eram os valores pagos por terceiros ao rei ou nobre, como compensação pela extração de recursos naturais existentes em suas terras. Atualmente, são a cobrança de impostos da extração de um recurso natural de uma determinada região. No caso dos royalties do petróleo são os impostos pagos pelas empresas exploradoras dos poços de petróleo do país. Até então, os estados onde são feitas as explorações, chamados estados produtores, têm recebido a maior parte destes royalties. Como os royalties são proporcionais ao volume explorado, a quantidade de dinheiro recebido pelos estados produtores já representa uma parcela considerável dos seus orçamentos anuais.

Um projeto de lei do governo federal pretende mudar a proporção da divisão dos royalties para torná-la um pouco mais equilibrada entre os estados produtores e os não produtores. O objetivo é que esta riqueza possa ser melhor distribuída e possa beneficiar todo o país. Aí reside o protesto dos estados produtores. Eles alegam que o petróleo é extraído dentro de seus territórios, ou seja, são uma riqueza de seus estados e, por isso, devem permanecer recebendo mais. Alegam também que a divisão atual dos royalties já está definida em contratos previamente assinados, de forma que a mudança prevista pelo projeto seria uma quebra de contrato. Além do mais, alegam que o orçamento de cada estado produtor já conta com tais recursos e que retirá-los agora iria provocar um rombo nas finanças capaz de impedir o desenvolvimento e os projetos dos estados.

Os estados produtores têm certa razão em protestar, pois ninguém gosta de “perder” aquilo que já “conquistou” e, ainda por cima, ser forçado a mudar seus planos de investimento. No entanto, há de se considerar que o petróleo é uma riqueza do país e não de alguns estados e, portanto, é salutar que ele possa trazer benefícios para todos os estados, não apenas para aqueles que já são historicamente mais ricos. O interesse da nação está acima de tudo.

E a justificativa para a nova divisão dos royalties não se restringe apenas a esta questão de interesse da nação. A exploração tem sido feita no mar, que, segundo a Constituição Federal, é um bem da União, portanto de todos os brasileiros. Também se deve considerar que, se hoje o Brasil se tornou capaz de explorar petróleo em alto-mar, foi devido a pesquisas e estudos realizados durante anos, pagos com impostos de todos os brasileiros. Foram estas pesquisas que permitiram ao Brasil desenvolver expertise e tecnologia que resultaram tanto para na descoberta dos poços quanto na capacidade de exploração. Além disso, a própria mão-de-obra empregada atualmente nos campos de petróleo é oriunda e formada em centros educacionais de diferentes estados.

Portanto, o projeto de lei da divisão dos royalties não é só benéfico para o país como um todo, mas também pode ser visto como um retorno histórico do que os brasileiros de norte a sul já contribuíram para o desenvolvimento do país. O que precisa ser revisto no projeto são formas de amenizar o impacto financeiro sobre os estados produtores. Da forma como está o projeto, a “lapada financeira” é muito grande. Seria mais interessante que o percentual de participação dos estados produtores nos royalties fosse sendo diminuído anualmente, em doses “mais suáveis”, e o dos estados não produtores, aumentado proporcionalmente, até estabilizar na proporção ideal. Assim, todos os estados seriam beneficiados e os que são produtores poderiam se adaptar mais facilmente à perda de arrecadação. O país só teria a ganhar.

domingo, 4 de novembro de 2012

A mobilidade urbana no Brasil tem solução?


Em todas as grandes cidades do Brasil, um problema comum é o da mobilidade urbana. Congestionamentos e a má qualidade do transporte público são as principais queixas da população. A maioria das prefeituras, e até governos estaduais, têm proposto alargamento de ruas e avenidas, corredores exclusivos para ônibus, expansão das linhas de metrô, monotrilho, bilhetagem eletrônica, dentre outros. A verdade é que tudo isso que tem sido proposto serve apenas de paliativo. Na prática, não resolverá os problemas, pois suas causas não se restringem apenas a questões de infra-estrutura. Vão muito além disso e envolvem hábitos comportamentais e econômicos.

Primeiramente, observemos que a maior parte dos sistemas de transporte público é formado por ônibus coletivos. Normalmente este serviço é terceirizado, através de concessão, a empresas particulares, que devem explorar o serviço de transporte para aferir lucro próprio e garantir um padrão de qualidade aceitável. Aí já reside um antagonismo: o lucro versus a qualidade. De forma geral, ao melhorar a qualidade, diminui-se o lucro. Ora, a população espera que os ônibus não demorem a passar nas paradas e que não estejam lotados. Mas diminuir o tempo e a lotação entre cada viagem implica em colocar mais ônibus nas linhas, ou seja, diminuir o lucro. Em outras palavras, do ponto de vista das empresas, quanto mais pessoas forem transportadas em menos viagens de ônibus, maior será seus lucros. Isto é, ônibus vazio é sinônimo de prejuízo. Logo, a terceirização e a falta de concorrência caminham em sentido contrário ao da melhoria do serviço oferecido à população.

Além da lotação e da demora, que são o que mais afetam a população, um outro fator piora a qualidade do transporte e traz prejuízo tanto para a população quanto para empresas: os congestionamentos. Devido a isso, o deslocamento urbano se torna cada vez mais lento. Sofre a população, que perde muito tempo para chegar a um destino e, com isso, até deixa de deslocar-se mais frequentemente, sofrem também as empresas, que diminuem seus lucros devido à demanda reprimida (mais pessoas querendo, mas sem poder se deslocar) e ao aumento de gastos (combustível, peças, ...). E tendo menos lucros, resta às empresas diminuir a qualidade ou aumentar as tarifas. Começa aí um claro ciclo vicioso: menos lucro implica em menor qualidade, que implica em mais pessoas evitando os ônibus, o que traz menos lucro e recomeça o ciclo.

Mas então quer dizer que diminuir os congestionamentos seria a solução? Então as propostas de vários governantes de alargar avenidas e criar corredores exclusivos de ônibus irão resolver o problema? Sim, a solução passa por resolver os problemas de congestionamentos, mas as propostas apresentadas pelos governantes não atacam o coração do problema, apenas amenizam seus efeitos. É preciso muito mais do que corredores exclusivos, alargamentos de ruas ou abertura de novas avenidas. A raiz do problema reside fora do sistema de transporte, no modo de vida que a sociedade busca. É o modelo consumista representado pelo automóvel. Este é o maior vilão.

A sociedade prega que as pessoas trabalhem para melhorar de vida. Neste caso, melhorar de vida é quase sempre representado por adquirir bens. E um dos bens mais desejados é o carro. O bendito carro. Bastam apenas três carros enfileirados para ocupar, nas ruas, o mesmo espaço de um único ônibus. Sendo que três carros populares levam no máximo quinze pessoas, enquanto que um ônibus leva sessenta pessoas. Na prática é bem pior, pois os carros quase nunca estão cheios. Estudos apontam que três carros costumam levar, em média, de quatro a sete pessoas. Então são de quatro a sete pessoas ocupando o mesmo espaço nas ruas que um ônibus com sessenta. Como os congestionamentos são formados em sua maioria por carros, fica evidente como utilizamos mal esse espaço. Desperdiçamos muito espaço. Mas quem vai preferir abandonar o carro e utilizar o transporte público? Entra aí mais um componente que aumenta o ciclo vicioso. O transporte é ruim, então mais gente usa o carro. Com mais gente usando carros, maiores os congestionamentos. Com maiores congestionamentos, menores os lucros das empresas de transporte. Com menores lucros, pior a qualidade. Com menos qualidade, mais gente prefere o carro e maior o congestionamento. É preciso quebrar esse ciclo. Mais uma vez, não adiantam apenas obras de infra-estrutura para dar mais velocidade ao trânsito. A quantidade de carros que entram no sistema é superior à capacidade de investimento em infra-estrutura.

Pronto, parece que já descobrimos onde reside o problema. É só dar um jeito de frear o uso dos carros, certo? Sim, é. E até parece fácil, só que não é. Além de envolver uma grande e difícil mudança cultural, seria preciso criar condições para esta mudança. Precisaria haver algum incentivo para que as pessoas diminuam a dependência do carro, seja esse incentivo através da melhora do transporte público ou mesmo através de medidas restritivas a sua utilização (rodízio?, pedágio?... não sei!). No entanto, só a melhora do transporte público já se torna difícil por se encontrar no meio do ciclo vicioso descrito anteriormente, e as medidas restritivas, além de serem "impopulares", ainda batem de frente com a questão econômica: a indústria automobilística. Esta é uma das mais lucrativas, que mais empregam e que mais crescem no país. É tão importante que, quando uma crise atinge esta indústria, o governo imediatamente toma medidas para protegê-la e alavancar as vendas (vide redução do IPI). Então como mudar o hábito das pessoas, se o próprio governo incentiva o consumo cada vez maior dos carros?

O problema da mobilidade urbana no país é muito mais complexo do que parece. Muitas variáveis estão envolvidas na questão: economia, cultura, infra-estrutura, falta de investimento, monopólio do transporte público... Nem mesmo as vindas de uma Copa do Mundo e de uma Olimpíada para o país foram capazes de forçar o país a tomar medidas capazes de garantir uma mobilidade urbana no mínimo aceitável. O certo é que a solução, se existe para o Brasil, está muito, muito, muito distante e o problema só tende a piorar.