sexta-feira, 16 de julho de 2021

Razão versus emoção, para os românticos do futebol

Era junho de 1986. Ainda crianças, estávamos eu e minha irmã, vestidos com uniformes da seleção brasileira, com traques de massa na mão, só a espera do gols do Careca, Zico, Sócrates e Cia. A Copa do Mundo de 1986 é minha lembrança esportiva mais antiga. Família reunida, vizinhos na nossa casa, bandeiras nas janelas... Uma festa! E todos com o mesmo sentimento de torcer pelo nosso país.

O sentimento de torcer pela pátria não se resumia a futebol. A gente vibrava com Olimpíadas e torcíamos até por atletas compatriotas que nem conhecíamos. "Pilotávamos" junto com Airton Senna, "lutávamos" com Maguila, "gritávamos" com Gustavo Kuerten, "respirávamos profundamente" com Hortência, bloqueávamos com Tande e Marcelo Negrão. Onde tinha Brasil, ou atletas brasileiros, estávamos lá. A vitória deles, era a nossa vitória. 

O esporte é apenas uma competição. Não "paga nossas contas", mas tem a incrível capacidade de nos emocionar e nos conectar com nosso país. É bonito este sentimento de união, que nos dá alegria e emoção, principalmente na idade infantil.

Mas tristes somos nós, quando envelhecemos e perdemos esta fantasia infantil. Nos tornamos mais secos e mais frios. O tempo passa e a gente começa a ver o mundo com outros olhos, a se preocupar com outras questões e, consequentemente, a destruir nossas fantasias. No último sábado, 10 de junho de 2021, presenciamos o Superclássico das Américas decidindo a Copa América de futebol. Em outras épocas, seria um evento de parar o país. Mas não foi. A realidade mostrou boa parte das pessoas indiferentes e uma parcela considerável de brasileiros, pasmem, torcendo para a Argentina, nosso maior rival!

Abraço de Neymar e Messi após a final da Copa América. Por: Milton Neto


Não se pode dizer que os contrários não tenham motivos para agirem assim. Uns se desconectaram desde que a Seleção passou a jogar mais em Londres que no Maracanã. Uns não se sentem representados pela entidade que organiza a seleção brasileira, a CBF.  Outros sentem falta de ídolos e craques como tínhamos no passado. Já outros se afastaram puramente por questões políticas, desde quando a camisa amarela da seleção brasileira virou uniforme de grupos políticos. 

A polêmica em torno da realização da Copa América no Brasil, em meio a uma pandemia, após a recusa de outros países, contribuiu substancialmente para esta reação de parte da população. Mas a política não foi o ponto crucial. O distanciamento do brasileiro já vem de algum tempo. Conheço pessoas próximas que há anos já torcem contra, por falta de identificação, mesmo se identificando com o político do grupo que usa a camisa amarela.

Não que os contrários estejam errados. Na verdade, ninguém é obrigado a gostar de futebol, muito menos tem que torcer pelo time do seu país. Quem sou eu para ditar o que é justo para cada um? Em verdade, resta-me lamentar. Lamentar por estarmos misturando as questões políticas com o esporte. Que pena que começamos a nos importar mais com o que o atleta faz nos dias folga, o que escreve nas redes sociais ou com o político a que ele tem afinidade, do que com as vitórias ou derrotas em campo!

Paralelamente à indiferença brasileira, vimos os argentinos, com muito mais problemas econômicos que nós, fazendo festa em Buenos Aires em comemoração ao título. Um bonito momento de alegria e união de um povo (apesar das aglomerações em tempos de pandemia). Da mesma forma, vimos estes sentimentos na Eurocopa, quando a TV mostrava em close os torcedores angustiados ou eufóricos com os jogos das seleções de seus países. O esporte serve justamente para isso: para nos desconectarmos dos nossos problemas por alguns momentos e experimentarmos sentimentos e emoções intensas.  

Não! Não prego que devamos viver num mundo de fantasia, alienados ao que acontece a nossa volta. O futebol, como dizia o italiano Arrigo Sacci, é "a coisa mais importante, dentre as menos importantes". Precisamos, sim, sermos cidadãos conscientes e nos importar com as coisas mais sérias. Mas que triste quando misturamos os dois mundos: o real e o de fantasia. Que triste! Dá para sermos simultânea e separadamente razão e emoção? Dá para sermos cidadãos responsáveis, conscientes, sem perdermos aquela paixão e romantismo que tínhamos na infância? Dá para se indignar com o uso político do esporte ou com o comportamento extracampo de um jogador e, ao mesmo tempo, continuar a torcer pelas vitórias dos times que representam nosso país? Os atletas passam, o presidente passa, o esporte fica. Pena que alguns acham que não. Procuro separar os dois mundos. Equilibrar racionalidade e emoção. Envelheço sabendo que envelheço, mas me recusando a perder a pureza das crianças e o romantismo que nos marca desde a infância. Talvez seja eu, apenas, um dos últimos românticos do futebol. Que pena!

domingo, 2 de maio de 2021

Protesto ou culto político?

Antigamente, eu via brasileiros indo às ruas para protestar contra algo. Era contra um aumento de impostos, era por uma mudança numa Lei, era contra aumento de passagem de ônibus, era para tirar um político corrupto do poder...  

Antes os protestos aconteciam como uma resposta IMEDIATA a algo. Por exemplo, um aumento das passagens era anunciado numa terça e logo organizava-se um protesto para os dias seguintes. Enfim, protestos para mudar uma situação e reclamar de quem estava no poder. 

Hoje, vejo protestos organizados por quem já está no poder, planejados com semanas de antecedência e em datas estratégicas: dia do Golpe Militar de 64, Dia do Trabalhador...

Antigamente, você ia para um protesto que tinha uma pauta única e bem definida: é contra "isso aqui" e pronto. Na semana seguinte, tinha outro protesto com a mesma pauta. Era de fato uma luta por uma causa até que ela fosse alcançada.

Hoje vejo que cada um desses protestos bimestrais da seita bolsonarista tem uma pauta com pelo menos três justificativas. Somados todos os inúmeros protestos que vêm acontecendo desde que o maníaco chegou ao poder, já entraram nas pautas: pela reforma da previdência, pelo pacote anticrime, pelo fechamento do congresso, pela intervenção militar, contra Alexandre de Moraes, pela cloroquina, contra a vacina chinesa, contra a liberdade de Lula, contra o lockdown, pela liberdade de expressão, contra a ditadura do STF, pelo voto auditável...

Interessante é como, entre um protesto e outro, os  itens da pauta mudam com uma facilidade imensa. Antes, acontecia um fato que gerava o protesto. Hoje, o protesto é marcado primeiro, com data e hora e definidos, depois cria-se a pauta para justificá-lo.

Antes, você ia para um protesto com um sentimento de "raiva", "revoltado" com uma situação que você queria mudar. Hoje vejo gente indo protestar como se tivesse indo para uma festa. Organizadores em cima do trio elétrico na Avenida Paulista comandando a torcida e puxando um "hola", como num estádio de futebol. Vejo gente postando fotos e vídeos em rede social, sorrindo, "olha eu aqui, estou no protesto", "veja que lindo, quanta gente". Não vejo nos comentários ninguém nem mencionar os itens da pauta. Voto auditável? Não tem nos comentários, mas sobra muito: "Meu presidente isso", "meu presidente aquilo", ... Antes não era assim. Nos protestos pelo impeachment, não se via o nome de político. Era "pelo impeachment" e não pelo meu político de estimação.

Pessoas sorrindo, aglomeradas e sem máscaras

Enfim, vamos para a real. Isso não é protesto. É sim um culto a um político. Uma espécie de movimento PLANEJADO de engajamento. Um ato voltado para manter apoiadores "aquecidos". PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. No bom português, LAVAGEM CEREBRAL. Sim, lavagem cerebral. Porque, num protesto de verdade, protesta-se contra algo e não a favor de um político. "Ah, mais as pautas dele também são as minhas". Sim, sim, claro, claro... 

E a pandemia, hein? Na Avenida Paulista, trio elétrico, pessoas sem máscaras e aglomeradas. Nenhuma palavra sobre isso por parte dos organizadores e dos políticos que apoiaram. Não é estranho que, numa semana onde se inicia uma CPI para investigar ERROS E OMISSÕES do governo federal durante a pandemia, o presidente e seus parlamentares aliados organizem, divulguem, apoiem e participem de atos com AGLOMERAÇÕES que contribuem para propagação do vírus?

Nem precisa de legenda


Essa manifestação de ontem não foi a última. Daqui a dois ou três meses vai ter mais. Daqui para lá, inventa-se a nova pauta. Mas o "evento" é certo. As manifestações têm um papel importante no projeto de poder desta seita que hoje comanda o país. Têm a mesma função de um culto ou uma missa para a religião ou um encontro de alcoólicos anônimos para quem quer se libertar de um vício. Você pode estar ficando desestimulado e cabisbaixo, mas sai de casa e vai ao encontro. Lá você reza, canta e encontra pessoas com a mesma crença e reforça sua fé. Volta para casa com a fé renovada. Essa é a lógica que mantém o bolsonarismo vivo e a real motivação destes "protestos". 

Realmente, Gil do Vigor, o Brasil está lascado! Um dia, quem sabe, as pessoas acordem e pensem de fato no seu país e não em quem as manipula em proveito próprio.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Imunidade X impunidade parlamentar

Daniel Silveira, deputado, apoiador do presidente, conhecido apenas por atitudes grosseiras e desrespeitosas, se expressar com palavras chulas, quebrar a placa com nome de Marielle Franco e se recusar a usar máscaras. 

Preso, por determinação do STF, e com prisão mantida, nesta sexta-feira, pela maioria da Câmara.

E a imunidade parlamentar? Segundo o caput do Artigo 53 da Constituição Federal, parlamentares são invioláveis civil e penalmente por opiniões e falas, não é? Mas os parágrafos 1º e 2º do mesmo artigo deixam claro que imunidade parlamentar não é passa-livre para cometer crimes.

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

§ 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal. 

§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. 

O ainda deputado não foi preso por simplesmente "falar mal do STF", como alguns ainda insistem, mas sim por ferir os artigos 22 e 23 da Lei da Segurança Nacional:

Art. 22 - Fazer, em público, propaganda:

I - de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social;

Art. 23 - Incitar:

I - à subversão da ordem política ou social;

II - à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis;

O vídeo, por ele postado, configura flagrante nos crimes previstos nos Artigos 22 e 23 acima: fez ameaças a ministros, defendeu práticas da ditadura, pregou o fechamento do STF e incitou atos antidemocráticos. 

Após prisão, no começo da semana, o deputado foi:

1) Abandonado pelo presidente: mesmo sendo apoiador fervoroso do presidente, este não abriu a boca, não fez um tweet, não fez uma live em sua defesa. 

2) Abandonado por seu partido: o presidente nacional do PSL afirmou, durante a semana, que irá tentar expulsá-lo do partido.

3) Abandonado pelo seus colegas parlamentares: a Câmara do Deputados, mesmo com o Centrão "vendido " ao governo, votou com ampla maioria pela manutenção da prisão.

Como se vê, o caso foi tão grave que, ao lado do deputado, ficaram apenas a ala radical (Carla Zambelli, Eduardo Bolsonaro, ...) e vocês, que o defendem aqui na rede social. 

Aliás, vocês e também os robôs. Robôs, estes, programados de forma tão escancarada que conseguiram proeza de, até quinta-feira de manhã, mencionar mais de 22 mil vezes uma hashtag com erro de digitação.