Quando nós éramos crianças, acostumamo-nos com coisas simples. Qualquer lata de Leite Ninho poderia ter um cordão amarrado e se transformava num carrinho. Quatro sandálias Havaianas formavam perfeitamente as duas traves de um campo de futebol. Nós éramos criativos, inventávamos nossas brincadeiras e criávamos nossos próprios brinquedos. Era fácil ser criança, como também era "barato" para os pais fazerem seus filhos felizes, afinal, bola, pião, jogo de botão e bola de gude poderiam ser presentes perfeitos.
O tempo foi passando, o mundo foi se modernizando e os brinquedos foram ficando diferentes. Brinquedo bom passou a ser brinquedo caro (quanto custa um Play Station mesmo?). Pior que isso, brinquedo bom passou a ser algo complexo, cheio de luzes, fios, baterias, circuitos eletrônicos. Um dia desses meu filho ganhou um pião. Mas não era o pião da minha época, de madeira que girava após desenrolarmos o cordão. Era um pião de plástico, com uma peça de encaixe e com um botão que, quando acionado, desprendia-se do pião e o fazia girar. Aquela técnica que o bom lançador de pião tinha, aquela que levávamos algum tempo para aprender no nosso tempo, se foi. Agora é só apertar o botão e qualquer um roda o pião. E esse pião ainda é diferente: quando roda toca uma musiquinha e acende luzes de cores diferentes. Bem diferente do nosso pião de madeira.
Tudo muito complexo e tudo muito simples de usar. Difícil mesmo é de consertar. Se dá um defeito, só levando numa assistência especializada. Em outros tempos, era diferente. O brinquedo que quebrava poderia ser consertado em casa mesmo. Se a pipa se rasgava, a gente trocava o papel. Se a bola furava, era consertada com um remendo. As vezes, muitas coisas nem precisavam ser consertadas. A gente continuava brincando com o boneco que ficou sem o braço, com o carrinho que ficou sem a roda ou com o dominó que ficou sem uma peça.
Hoje em dia, não fabricamos nem consertamos nosso brinquedo e cada vez menos vemos brincadeiras com interação ativa em grupo (não em rede, on-line, mas olho no olho). As crianças de hoje ficaram menos criativas? Talvez não. Talvez ela apenas estejam vivendo em um ambiente que não as incentive a exercitar a criatividade. Tudo é muito "pronto" e simples de usar, porém complexo de ajustar. Quebrou? Manda pro conserto ou é só comprar outro. Enjoou? "Baixa" outro da internet.
Em meio a esse ambiente onde tudo é feito para ser fácil de usar e difícil de compreender, as crianças vão perdendo o interesse pela criação. Tudo parece ser tão complexo por dentro que se torna intocável, distante e desinteressante. O poeta já dizia há décadas atrás: "quem me dera, ao menos uma vez, que o mais simples fosse visto como o mais importante". Ele estava certo, mas não foi o caminho da simplicidade que o mundo tomou. E, assim, nossas crianças vão crescendo esperando do mundo coisas prontas. Elas vão crescendo cada vez menos estimuladas, tornando-se menos criativas e, assim, cada vez menos capazes de mudar seu próprio mundo.