Esta semana, numa dessas reflexões sobre a mobilidade, resolvi testar uma nova experiência de mobilidade. Sempre fiquei atento aos projetos Porto Leve e Bike PE, que foram implantados na cidade de Recife, há quase dois anos, para incentivar o uso e o compartilhamento de bicicletas como forma de transporte alternativo. Por este sistema, diversas estações são espalhadas pela cidade, de onde os usuários podem retirar bicicletas, fazer deslocamentos pela cidade e devolvê-las em outra estação. É uma ideia legal e sustentável, mas que esbarra em um item estrutural básico da cidade para funcionar perfeitamente: a ausência de ciclovias. No auge de minha inquietude, esta semana, enveredei por testar o sistema pela primeira vez. A aventura está descrita a seguir.
Fiz meu cadastro e retirei uma bike numa das estações do Recife Antigo. Eram por volta das 17h30, horário de trânsito intenso. O destino: Olinda, na estação (desta cidade) mais distante possível do ponto de partida. Comecei o trajeto passando pelas avenidas Cais do Apolo, Norte e Cruz Cabugá. Nestas avenidas, o tráfego lento deixava a bicicleta mais veloz que os carros e, como os carros não andavam, faltava espaço para mim na faixa lateral da via. Por diversas vezes, foi preciso parar na via ou subir na calçada para continuar. Cheguei à primeira conclusão: por incrível que pareça, é melhor para o ciclista trafegar em vias onde o tráfego flui com facilidade que em vias congestionadas, pois consegue-se pegar a faixa lateral com mais facilidade.
Após a Cruz Cabugá, cheguei à Avenida Olinda. É uma avenida larga com trechos de três a seis faixas, porém é um trecho terrível para os motoristas, pois, do Shopping Tacaruna ao bairro do Varadouro, neste horário, perde-se quase 30 minutos para trafegar por apenas 2,5 quilômetros. O começo da Avenida Olinda foi tranquilo, mas, logo depois, o trânsito simplesmente pára e os mesmos problemas dos trechos anteriores se repetiram. Enquanto o tráfego fluía, um novo problema detectado: já era noite e as bicicletas do projeto não possuem luzes indicativas para alertar os motoristas da sua presença na via. Perigo para o ciclista! É uma falha que precisa ser corrigida, pois o sistema de compartilhamento de bicicletas se propõe a funcionar até às 23 horas.
Após chegar ao Varadouro, o tráfego fluiu bem tanto mim e quanto para os motoristas. Por cerca de mais 2 km, ainda foi preciso dividir espaço com os carros, até chegar à ciclovia da Avenida Marcus Freire, a primeira de todo o trajeto. Ali chegava ao verdadeiro "paraíso dos ciclista": uma ciclovia de verdade numa avenida à beira-mar. Após pedaladas velozes e tranquilas, cheguei à última estação, onde tive que devolver a bicicleta, totalizando o percurso de 9 km em 40 minutos. Acredite: um carro, fazendo o mesmo percurso no mesmo horário, levaria bem mais tempo para percorrê-lo. Difícil acreditar, difícil de aceitar, mas é verdade. Uma pena que tinha chegado ao fim. Se existissem outras estações e ciclovias mais adiante, teria ido mais distante e percorrido mais 9 km tranquilamente. O melhor de tudo, ao final, foi a sensação de prazer imensa ao terminar o percurso. Sensação, esta, que não lembro nunca ter sentido ao dirigir. Afinal, estava divertindo-me pedalando e não sofrendo com o trânsito de costume.
Esta experiência posso chamar de uma aventura. Dela, algumas conclusões e constatações podem ser obtidas:
- É duro viver numa cidade (ou região metropolitana) onde um carro trafega mais lentamente que uma bicicleta.
- É preciso incentivar o uso de bicicletas para diminuir a quantidade de carros nas ruas e proporcionar melhor qualidade de vida.
- O aumento no uso de bicicletas só será possível com infraestrutura adequada. Não dá para esperar que muita gente sinta-se confortável ou segura ao pedalar dividindo o mesmo espaço com carros. Cadê as ciclovias, governantes?!
- O projeto de compartilhamento público de bicicletas do Recife merece aplausos, mas precisa de ajustes e mais apoio. Bicicletas melhores, com luzes indicativas para uso noturno e capacetes proporcionam mais segurança. Mais estações periféricas permitiriam trajetos maiores.
Dos governantes, esperam-se melhorias urbanas, não apenas com mais ciclovias, mas também, por exemplo, com a construção de bicicletários, afinal, onde estacionar as "magrelas" ao chegar ao destino? Aliás, em ano de eleição, como este de 2014, quantos candidatos estão propondo projetos deste tipo? Lembremos disso. Das empresas, repartições e prédios públicos, espera-se estruturas que facilitem a vida do ciclista. Por exemplo, estes dispõem de chuveiro ou dispõe de armários? O funcionário ou visitante que se propor a se deslocar de bicicleta, especialmente em cidades de clima quente, precisará tomar um bom banho ao chegar ao destino, não é mesmo? Já da população, especialmente dos motoristas, espera-se mais respeito aos ciclistas. Muitos desconhecem (ou desrespeitam mesmo) o Código de Trânsito Brasileiro, que diz que o ciclista, no bordo direito da pista, tem prioridade, e costumam buzinar ou não manter a distância de segurança. Falta educação.
Enfim, após essa experiência, continuo descrente com a solução para os problemas de mobilidade urbana no Brasil e vejo que o panorama pouco mudará nos próximos anos. Porém, saio convencido de que pequenas ações, como o incentivo aos deslocamentos sem carro, em especial, com o uso de bicicletas são viáveis e ajudam, pelo menos, a amenizar o caos nos deslocamentos urbanos.