sexta-feira, 12 de abril de 2013
Somos uma eterna contradição
Vivemos afundados em contradições. O culpado disso? Nós mesmos. A todo instante desejamos algo, queremos algo, agimos de um modo e, como num passe de mágica, adotamos uma postura, com ações e pensamentos, completamente diferentes daquilo que sempre postulamos. Não adianta fingirmos. São inúmeras as situações cotidianas que nos denunciam como os seres mais contraditórios da face da Terra.
Vejamos nossas atitudes com os necessitados. Dizemos que os idosos, os deficientes e as gestantes precisam ser respeitados. Crucificamos pessoas que os maltratam. Pedimos prisão para eles. No entanto, não conseguimos ser cidadãos ao ponto de respeitar simples vagas privativas para os idosos, os deficientes e as gestantes nos estacionamentos. Queremos ser cidadãos, mas não fazemos esforço para tal.
Vejamos nosso comportamento perante os excluídos. Nos sensibilizamos com a fome, nos sensibilizamos com a miséria e dizemos que as autoridades não ligam para os pobres. No entanto, andamos pela ruas e, quando passamos ao lado de mendigos, fingimos que não os vemos, como se eles não estivessem ali, diante de nossos olhos. Algumas vezes, até demonstramos que os vemos, mas, neste caso, desviando o caminho para evitá-los. Por falar em excluídos, quantas vezes, em meio a uma festa, bebendo e comendo do melhor, já dissemos a frase "poucos com tanta coisa e muitos com tão pouco"?
Se excluímos pobres anônimos, vejam o tratamento que damos as pessoas famosas. Não nos importa o caráter do famoso, para transformá-lo em um ídolo, basta gostarmos de sua música, ou seu talento futebolístico ou de sua beleza. Não nos importa se ela é um mal exemplo para os jovens ou para as famílias, basta admirarmos uma determinada qualidade, muitas vezes supérflua, para tratá-la como uma pessoa importante, superior. Já perceberam a comoção que ocorre quando uma dessas pessoas famosa morre? Comportamento análogo ocorre quando este ser famoso é um cantor do qual não gostamos. Não nos importam suas "boas" qualidades. O fato de não gostar de sua música é suficiente para até soltarmos um maldoso "já vai tarde". Valorizamos características muito superficiais.
Vejamos nosso comportamento diante da política. Criticamos os políticos por sempre quererem levar vantagem, por desviarem recursos, por empregarem familiares e por buscarem vantagens provenientes de seus cargos, mas nós mesmos sempre queremos uma mãozinha de um conhecido para agilizar nossos processos ou "molhamos a mão" do policial para aliviar nossas multas. Quando achamos uma carteira na rua, pegamos e não devolvemos, e quando a devolvemos ao dono, a carteira volta apenas com os documentos, sem o dinheiro. Da mesma forma, compramos um determinado pacote de TV, mas sempre admitimos que se o técnico quiser liberar uns canais a mais, podemos dar-lhe uns trocados. Reclamamos dos políticos corruptos, mas corrompemos e somos facilmente corrompidos.
Vejamos nosso comportamento como torcedores de futebol. Vestimos a camisa do clube e ignoramos todas as regras de convivência e tolerância que tanto defendemos. Não admitimos um torcedor com a camisa do time adversário próximo a nossa torcida no dia jogo. Partimos para o xingamento e muitas vezes para agressão, mas, no dia seguinte, quando tiramos a camisa de torcedores, pegamos o mesmo ônibus que os adversários, trabalhamos na mesma sala, almoçamos no mesmo restaurante e não se agredimos. Pelo contrário, respeitamo-nos. Mudamos de comportamento como quem muda de roupa, neste caso, como quem muda de camisa em dia de jogos.
Vejamos nossas atitudes com o próximo. Adoramos criticar o que o outro diz, o que o outro faz, o que o outro parece ter feito, o que o outro poderia ter feito. Criticamos sem ao menos nos colocarmos no lugar do outro, sem ao menos procurar entender as circunstâncias e os porquês que o leva a agir ou se comportar de alguma forma. No entanto, queremos que as pessoas não nos critiquem. Não enxergamos nossos erros, pois nossos olhos estão sempre apontados para a casa alheia.
Reclamamos de quem assiste Big Brother Brasil, dizendo que é um entretenimento sem conteúdo, que não contribui para a educação, que é um entretenimento vazio, que é alienação, blá, blá e blá, mas ficamos supervalorizando e parando tudo para assistir futebol na TV. Será que o futebol educa, é um entretenimento intelectual ou não é alienante?
Nos indignamos com os problemas de nossa cidade. Apontamos todos os defeitos da cidade. Porém, se alguém de fora da cidade aponta estes mesmos defeitos, nos indignamos com a pessoa e dizemos que é ofensa. Mas nem toda crítica é ofensa. Por falar em ofensa, muitas vezes ela realmente acontece, principalmente, em forma de piadas. Nos ofendemos com piadas sobre nossa cidade e com o povo da nossa cidade, mas achamos graça quando fazemos piadas com o povo de outras cidades. Queremos respeito, mas não agimos da mesma forma.
Vejamos nosso comportamento como cidadãos. Reclamamos das ruas alagadas e do lixo nas ruas, sempre colocando a culpa do poder público. No entanto, contribuímos para a sujeira e para as alagações jogando tudo o que não presta na rua. Não fazemos nossa parte, mas sempre achamos um culpado para os problemas urbanos.
Por falar em problemas urbanos, um dos mais comuns é a violência. A segurança é dever do Estado, mas também depende do comportamento de cada um. Queremos estar sempre seguros, mas expomos nossa vida (que deveria ser privada) por completo na Internet. Dessa forma, até quem não nos conhece sabe os lugares que frequentamos, o local que trabalhamos, o local em que moramos e as coisas de que gostamos. Deixamos disponíveis informações de nossa família, até mesmo nossas fotos. Queremos segurança, mas deixamos o cadeado do portão de nossa casa aberto para os mal-intencionados.
Vejamos nosso preconceito. Dizemos que não discriminamos homossexuais e que somos tolerantes, mas, quando vamos xingar alguém, o chamamos de "viado". Ora, quando usamos uma opção sexual como xingamento, estamos assumindo que tal opção é algo ruim, desprezível ou ofensivo. Temos ou não temos preconceito?
Vejamos o que acontece no trânsito. Numa via de duas faixas, quando há uma fila de carros aguardando para convergir à esquerda, sempre há um ou mais espertinhos que cortam pela direita e tentam furar a fila mais a frente. Estes mesmos não furam a fila quando estão, por exemplo, numa agência bancária. O comportamento muda quando se está ou não se está protegido pelo invólucro do carro. Ficamos mais corajosos para más práticas quando estamos, de certa forma, mais protegidos.
Vejamos quantos outros comportamento contraditórios. Justificamos não seguir os ensinamentos da Igreja, dizendo que não temos religião. Mas não abrimos mão de um feriado religioso. Passamos a vida abrindo mão da nossa saúde para acumular riqueza. Depois gastamos a riqueza para recuperar a saúde que perdemos. Desejamos ser livres, donos do próprio nariz, mas passamos a vida em busca de uma alma gêmea para nos unirmos e, provavelmente, nos casarmos.
Nós somos assim mesmo, contraditórios por natureza. Ações, pensamentos e objetivos mudam completamente. Algumas vezes definitiva, outras alternadamente. Muitas vezes não percebemos, outras vezes temos plena consciência de tudo isso. Queremos ser felizes, mas a busca da felicidade nos entristece. Queremos o amor, mas temos medo de amar. Queremos ser nós mesmos, mas tentamos mostrar o que não somos. Uma roda vida, uma metamorfose ambulante, um poço de contradições. Nem bons, nem ruins, apenas contraditórios.
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