O ano de 2020 está chegando ao fim e vai ficar marcado para sempre nas nossas lembranças. A nossa geração nunca tinha passado por nada parecido nos anos recentes. Quantas mudanças, quantos planos desfeitos, quanta coisa jamais imaginada?
A primeira marca de 2020 vem, na verdade, do último dia do ano anterior. Em 31 de dezembro de 2019, entre os desejos e promessas mais ouvidos para 2020 estava aquele: "Desejo apenas saúde porque, dinheiro, a gente corre atrás". Queria diria que um bocado de gente que fez este pedido, que colocava a saúde em primeiro lugar, três meses depois mudaria o discurso: "Ah, precisamos trabalhar... a economia não pode parar..."? Quem diria que saúde à frente do dinheiro seria mais uma promessa de ano novo não cumprida?
Naquele mesmo 31 de dezembro, enquanto as pessoas faziam suas promessas não cumpridas, era confirmada a primeira aparição, no outro lado do mundo, do "cara" do ano: o tal do novo coronavírus. Bem no último dia do ano, enquanto a gente aqui soltava fogos, abria champagnes e dizíamos: "Xô, 2019. Já vai tarde! Bem-vindo, 2020!"
Do fundo coração, desculpa 2019! O ano de 2020 nos fez perceber que você foi até um ano legal.
No começo do malfadado 2020, as primeiras notícias do surto de uma gripe diferente, em um mercado chinês, nem chamava muita atenção. "Lá na China? Muito longe". Dias depois, novas notícias e a presença cada vez mais constante nos noticiários. Mesmo assim, nada que nos preocupasse. Aqui, no Brasil, o bichinho era apenas meme.
A ficha começa a cair
Nas semanas seguintes, notícias se tornam mais constantes. A China isolando tudo e construindo hospitais em tempo recorde. A falta de transparência do governo chinês dificultava entender melhor o problema. Conspiradores chegaram a dizer que o vírus fora feito em laboratório para a China conquistar o mundo. Menos, gente, menos...
Enquanto não entendíamos o problema, o bicho não parecia tão feio. Para o Dr. Dráuzio Varella, em janeiro, não era nada que assustasse. Para um certo presidente, era só uma fantasia da grande mídia.
Aos poucos, a gravidade do problema começava a ficar clara. A nova epidemia começa a registrar casos em outros países. A "ficha começava a cair". Só que, enquanto uns mudavam sua visão, outros continuavam minimizando a questão (e continuam até hoje).
Passado o carnaval, o primeiro caso era confirmado no Brasil. Em março, tínhamos a primeira morte. Foi em março, também, que a OMS declarou que não era mais uma epidemia e agora tínhamos uma pandemia. Tudo muito rápido. No domingo, dia 15 de março, eu participava de uma corrida de rua em João Pessoa, e, na quarta-feira, três dias depois da corrida, fui trabalhar pela última vez no escritório. Todo mundo mandado para casa. A ficha, também para mim, acabava de cair. Oficialmente, estávamos em quarentena.
Primeiras impressões, muitas incertezas
Os dias seguintes foram de novidades e dúvidas. Um turbilhão de novos acontecimentos, nunca antes imaginados. Novelas canceladas. O futebol paralisado. Decretos estaduais e municipais fechavam comércio. Aulas suspensas. Corrida por álcool em gel e máscaras cirúrgicas, que, simplesmente, desapareceram das farmácias. Áreas de lazer dos condomínios fechadas. Ruas e parques desertos. O mundo parou. Agora começávamos a conviver com novas expressões e novos hábitos: "distanciamento social", "lavar constantemente as mãos", "Use máscara", "Fique em casa!", "home office", "quarentena", "lockdown", "colapso do sistema de saúde", "novo normal", "achatar a curva", ...
E como tratar a doença? Ninguém sabia. Começavam a informações desencontradas, os achismos, as fake news. Vieram as propagandas por remédios sem comprovação científica. Gente dizendo que o vírus era de laboratório, que tudo era uma farsa. Duzentos milhões de brasileiros viraram "especialistas em pandemia", cada um "dando aula", contra ou a favor, sobre lockdown, distanciamento social, máscaras, isolamento horizontal e vertical, cloroquina e por aí foi.
Por parte da autoridades, um verdadeiro show de horrores. Governos federal, estaduais e municipais não falavam a mesma língua. Na ausência de um plano coordenado de combate à pandemia, cada estado e prefeitura foi tomando suas medidas, enquanto o governo federal só tinha olhos para a economia.
Neste momento difícil, também teve espaço para a pior parte do brasileiro: a corrupção. Com estado de emergência e calamidade pública decretados, as dispensas de licitações viraram passe-livre para a farra com o dinheiro público. Respiradores para porcos em Recife, compra de respiradores que não funcionavam em Belém, hospitais de campanha pagos e não construídos no Rio de Janeiro... E o cidadão comum também entrou na onda, com muitos, sabida e desonestamente, inscrevendo-se para receber indevidamente o auxílio emergencial. Uma vergonha!
 |
Gráfico da média móvel de casos no Brasil |
Enquanto isso, a pandemia ia fazendo estragos: os números de mortes cresciam, empresas faliam e pessoas perdiam seus empregos.
A rotina da pandemia
Com o passar do tempo, viver em pandemia entrou para a nossa rotina. Novos hábitos foram incorporados: começamos a higienizar até a feira, compras pela internet dispararam, o delivery de alimentação cresceu, calçados agora ficavam da porta de casa para fora, o home office virou realidade.
As máscaras de pano já eram mais comuns que as máscaras cirúrgicas. Elas estavam presentes em todos os locais. Difícil era achar quem as usasse corretamente. Era gente pegando na frente da máscara, usando no queixo ou cobrindo apenas a boca. Era máscara folgada demais, pequena demais. Fora aqueles que tinham todas as desculpas para não usar.
 |
Como não usar uma máscara |
O home office foi um caso à parte. De fato, não era nenhuma novidade até então e já era praticado de forma tímida por algumas corporações e profissionais autônomos. Mas a necessidade acabou forçando um trabalho remoto em massa e ajudou a consolidar sua prática. Empresas descobriram forçadamente que podem se manter produtivas e, ao mesmo tempo, reduzir drasticamente seus custos. Um caminho, para mim, agora sem volta. As reuniões virtuais entraram na nossa rotina. Zoom, Teams, Meet, Skype se tornaram ferramentas do dia a dia. Passamos a conviver com novas expressões: "Seu microfone está desligado", "Fulano caiu", "Me ouvem bem?", "Tem um cachorro latindo", "Desculpe, gente, passou uma moto aqui na rua.", "Agora não, filho, estou em reunião", ...
Passado o primeiro mês de quarentena, uma nova realidade para as crianças e professores (e por que não dizer, também para os pais?): aulas remotas! Sem qualquer experiência prévia, uma nova forma de dar aula teve que ser literalmente inventada e aprendida. O famoso "trocar o pneu com o carro andando". Um verdadeiro desafio que a comunidade escolar teve que encarar. Houve quem se adaptasse perfeitamente e houve quem tivesse muita dificuldade. Se foi muito bom para alguns, foi dificílimo para as crianças menores e também para as famílias de baixa renda, sem acesso descente aos recursos tecnológicos.
Nos fins de semana, uma nova febre: lives! E eram muitas. Era de manhã, de tarde e de noite. Dava para passar o dia todo assistindo. Sem ter o que fazer, tinha gente assistindo lives até de cantor que não gostava. Mas durou pouco. Tão de repente quanto surgiram, tão logo também sumiram. The "lives" are dead.
 |
Reconhecimento aos profissionais da saúde |
Além das novidades, este período também nos deu muitas lições. Passamos a dar mais valor às coisas simples que tínhamos e fazíamos antes: um abraço apertado, a presença dos amigos e da família. Passamos também a reconhecer e dar mais valor aos profissionais de saúde como nunca anteriormente. Verdadeiros herois.
A paciência chegando ao fim
Os meses foram passando e a pandemia parecia não ter fim. Aos poucos, as pessoas foram se cansando de tudo e a saudade dos velhos hábitos já não conseguia mais segurar as pessoas em casa. Caiu o apoio popular às medidas restritivas e aumentava a pressão de todos os lados pelo que foi chamado de "flexibilização". As pessoas, que antes ficavam em casa, já não tinham mais medo de sair às ruas. Enquanto alguns saiam do isolamento com moderação, outros pareciam já ter ligado o "f__-se". A pandemia não estava controlada, mas todos nós já estávamos cansados. Eu, por uma necessidade particular, estava e ainda estou no grupo que mais respeitou o isolamento, saindo só quando necessário, mas hoje já não de forma tão rígida quanto antes.
Nos primeiros seis meses, não teve festa e nem reunião de família. Os aniversários da minha mãe, do meu filho, da minha avó, da sogra e de afilhados não puderam ser comemorados. Encontros, apenas virtuais. Futebol com os amigos: suspenso. Meus amigos de infância, só pelo WhatsApp. Corridas e pedaladas na rua: não tiveram mais. Somente a partir de setembro nos permitimos um pouco de flexibilização e alguns reencontros (de máscara).
A política... Ah, a política!
Em meio a tantos problemas causados pela pandemia, 2020 também nos fez assistir cenas bizarras na política. Além das já citadas divergências das ações de combate à pandemia nas esferas federais, estaduais e municipais, o ano também foi marcado por políticos negacionistas, preocupados muito mais com os números dos seus governos que com a saúde da população, tanto nos EUA, quanto aqui, no Brasil. As declarações estapafúrdias foram muitas. De "gripezinha" a "E daí?", passando por "país de maricas" e outras dezenas de declarações que mereceram apenas as inúteis e incontáveis "notas de repúdio" das autoridades.
 |
Não merece legenda |
Vimos ministros da saúde médicos sendo substituídos por um general, um presidente contrário à ciência e políticos, do Arroio ao Chuí, causando aglomerações durante as eleições. Chegamos ao fim do ano assistindo a esperança da vacina se tornar alvo de politização, enquanto o país vai ficando para trás dos demais países para inicio da imunização.
Flexibilização, vacinação e esperança
Depois dos primeiros meses de isolamento, as restrições foram flexibilizadas, já há cerca de seis meses, e parte da rotina foi retomada com novos hábitos. Futebol sem torcida, estabelecimentos comerciais com restrição de capacidade, escolas com distanciamento social e novas regras. Muitas regras foram criadas como condição para a retomada, mas a grande maioria se tornou apenas regras decorativas, como as marcas no chão para garantir o distanciamento social nas filas. Poucos seguiram. O uso obrigatório de máscaras até foi seguido, muito mais por obrigação que por consciência. Em muitos locais, pessoas só colocavam a máscara para entrar numa loja e retiravam tão logo saíam. Sem falar do uso incorreto das máscaras, que deveriam cobrir o nariz e a boca e, quando não estavam cobrindo apenas a boca, eram usadas no queixo.
Infelizmente, a flexibilização trouxe também o relaxamento com os cuidados. A população perdeu o medo e muita gente age como se a pandemia já tivesse acabado. Mas, felizmente, uma esperança chegou no último mês do ano: o início da vacinação. Se não chegou no país ainda, em breve chegará, apesar do atraso e dos que jogam ou torcem contra.
O ano de 2020 chega ao fim e não sairá nem tão cedo da nossa memória. Durante anos lembraremos de todas as acontecimentos que transformaram este no primeiro ano pandêmico (ou poderíamos dizer pandemônico) de nossas vidas.
 |
2021: ainda com (mas com menos) máscaras e mais cura |
Tomara que não tenhamos que passar por isso por muito mais tempo ainda e que, nem tão cedo, algo parecido se repita. Fica o lamento e o respeito àqueles que perderam seus entes queridos. Que venha 2021, ainda com (mas com menos) máscaras e sim com mais curas. A esperança é o que nos moverá neste fim de ano. Mais do que nunca: um feliz 2021!